Já reparou que no
outono tudo fica um pouco laranja e meio apressado? Como se o tempo não pudesse
perder tempo. É cedo demais para a primavera. E tarde demais para verão. Tão
perto só o inverno, onde o sorriso se revelará congelado na fotografia. Mas não
neste outono. Não neste outono de 2020. Este outono será eterno em nossas
lembranças.
Era outono de
2020 e todas as pessoas estavam à mercê da sorte. O mundo inteiro se encontrava
virulento. A ordem mundial era para que todos ficassem em suas casas. As
cidades ficaram desertas, fecharam as lojas, as fábricas, os museus, as feiras,
as escolas, os shoppings e os parques...
Era outono de
2020 e os adultos precisaram manter as crianças entretidas dentro de casa, e
longe de seus avós; os universitários passaram a estudar em confinamento; as
pessoas em franco desespero esvaziaram as prateleiras dos supermercados e se
dividiram entre os que acreditaram nas medidas e os que delas faziam escárnio.
Era outono de
2020: nas ruas as quaresmeiras estavam mais exuberantes do que nunca e as
abelhas desenharam círculos no vento; os cães abandonados, amiúdes percorriam a
praça, mas não havia quem lhes dessem de comer; de fome e de desprezo também
pereceram moradores em situação de rua; de fome – de peste – e de injustiça,
pereceram os trabalhadores.
Era outono de
2020: cedo não haveria mais vagas nos hospitais e todos os dias milhares de
pessoas continuavam a adoecer. Acabaram as reuniões e as refeições em famílias,
estas, assistiam de suas janelas, os caminhões que levavam os seus mortos, que
sequer poderiam ser velados; o medo se tornou real, crescente; a esperança
debalde sempre no acréscimo das vítimas. E a cada amanhecer, a única certeza
que se tinha, era que o pior ainda estava por vir.
Era outono de
2020: e como a utopia é mais útil do que a realidade, divaguei que as pessoas,
resguardadas em suas casas, começaram a descobrir novas formas de lidarem com o
ostracismo social. Começaram a dar um novo significado às relações entre
cônjuges e entre pais e filhos; as pessoas observaram que enfim tinham o tão
sonhado tempo para brincar com seus filhos, para ouvi-los e para conversar com
eles sobre assuntos polêmicos.
Era outono de
2020: as pessoas perceberam que poderiam se importar mais com elas mesmas, com
suas saúdes: física, mental e emocional. As pessoas descobriram que poderiam
usar as redes sociais não apenas para o entretenimento, mas também para
estudarem e estudando abandonaram as picuinhas passionais e passaram a se
interessar pelo real sentido da vida e perceberam a importância de se
questionar sobre políticas públicas, sobre as fenomenologias e as desigualdades
sociais...
Era outono de
2020: e as pessoas aprenderam as três línguas mais importantes da Terra: a
partilha, a empatia e a luta. Assim, as pessoas começaram a cantar em seus
quintais e sacadas; se colocaram à disposição para fazerem as compras dos
idosos e a lhes fazerem chamadas de vídeos e rirem com eles; em vídeos também,
trocaram receitas, brincadeiras, piadas, músicas, conselhos, orações,
pensamentos de perseverança e amor a vida.
Então o outono
passou e levou com ele a pandemia. E as pessoas assistiram na TV que o vírus
fora dissipado, e elas saíram às ruas sem máscaras, ou quaisquer restrições, e
abraçavam umas às outras cantando, dançando e chorando de felicidade. E quando
o inverno chegou, elas não se importaram com o frio, pois a luta havia lhes
ensinado o real sentido da vida, amá-la e se dedicar a ela com valentia.
Clara Dawn
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