Drauzio Varella prevê 'tragédia nacional' por coronavírus: 'Brasil vai pagar o preço da desigualdade'.
Prestes
a completar 77 anos em maio, o médico cancerologista Drauzio Varella diz que se
arrepende de já ter sido otimista a respeito do novo coronavírus. Na época em
que começaram a surgir as primeiras informações sobre o vírus na China, em
dezembro do ano passado, ele diz que, como muitos, considerou que se tratava de
uma doença de baixa letalidade, como pareciam indicar os dados disponíveis. “Eu
participei desse otimismo e me recrimino por isso hoje”.
Considerado
parte do grupo de risco para a covid-19 pela faixa etária, o médico, escritor e
comunicador tem vivido uma rotina profissional intensa nas últimas semanas,
mesmo sem sair de casa. Concilia as reuniões matinais diárias do recém-criado
grupo Todos pela Saúde, que ele integra como sete técnicos que trabalham
para direcionar uma doação de R$ 1 bilhão feita pelo Itaú Unibanco ao combate
do coronavírus, com as demandas que recebe como médico, tirando dúvidas e
enviando orientações a respeito da doença.
Vencer
o avanço da pandemia no Brasil, pondera, exigirá estratégias e obstáculos
diferentes do que foi observado em países da Europa e da Ásia. A principal
peculiaridade brasileira é a imensa desigualdade social, que impõe condições de
vidas muito distintas para ricos e pobres, limitando o acesso de grande parte
da população às práticas que previnem o contágio, como lavar as mãos, comprar
álcool gel e praticar o isolamento social.
Há
no país 35 milhões de brasileiros sem acesso à rede de água potável, segundo
dados do Instituto Trata Brasil de 2017. Em 2018, antes da crise do
coronavírus, chegou a 13,5 milhões o número de brasileiros vivendo abaixo da
linha da extrema pobreza, com menos de R$ 145 por mês.
É
esse contexto que, na previsão de Varella, levará o país sem dúvida a uma “tragédia
nacional” durante a pandemia.
“Eu
acho que nós vamos ter um número muito grande de mortes, vamos ter um impacto
na economia enorme, uma duração prolongada”, prevê, destacando que a naturalização histórica
das mazelas sociais do país será o principal determinante de tal tragédia.
“Agora
é que nós vamos pagar o preço por essa desigualdade social com a qual nós
convivemos por décadas e décadas, aceitando como uma coisa praticamente
natural. Agora vem a conta a pagar. Porque é a primeira vez que nós vamos ter a
epidemia se disseminando em larga escala em um país de dimensões continentais e
com tanta desigualdade”,
diz, em entrevista à BBC News Brasil, concedida por meio de teleconferência. “Vamos
ter, forçosamente, a disseminação dessa epidemia para as camadas sociais mais
desfavorecidas. É assim que está acontecendo em Nova York hoje, onde os negros
são representados em muito maior proporção nas mortes que acontecem nas
cidades. Nós não sabemos ainda o que vai acontecer quando esses 13 milhões de
brasileiros que vivem em condições precárias de habitação e que têm condições
precárias de saúde também vão se infectar. Não sabemos o que vai acontecer,
vamos aprender agora a duras penas. Eu rodo muito pelo país, já gravei em
periferias de quase todas as grandes cidades brasileiras. E você entra nessas
casas, é uma pobreza em um nível...”
Na
pandemia, fica mais evidente a ameaça da desigualdade social a todos os
segmentos da sociedade, na visão do médico. “Enquanto tivermos essa
disseminação em lugares impróprios para a vida humana, você não se livra do
vírus. E é esse vírus que ameaça a todos, o tempo inteiro”, afirma Varella,
que prevê que a pandemia também deixará mudanças profundas na sociedade.
“Acho
que o sofrimento é uma pressão para o aprendizado. Todos nós vamos perder
amigos, muitos vão perder pessoas da família, e isso vai nos ensinar que não é
possível viver como nós vivíamos até aqui”.
Ferrenho
defensor do isolamento social, uma das únicas medidas comprovadamente eficazes
contra o vírus (além da higiene frequente das mãos, por exemplo), ele alerta
para as possíveis consequências terríveis para os pacientes graves que, por
falta de infraestrutura, eventualmente ficarem sem atendimento em meio a
problemas respiratórios progressivos. “A gente diz que (existe o risco de
que) o sistema de saúde entre em colapso. As pessoas estão acostumadas com essa
coisa de ir ao pronto socorro e demora para atender, você não é atendido às
vezes, ou é mal atendido e volta para casa.
Só
que agora é uma situação diferente. Você só vai para o hospital quando você tem
falta de ar. E essa falta de ar é progressiva, você tem que ter os recursos de
ventilação mecânica à disposição. Se você não tiver esses recursos, o que vai
acontecer? Não é que você volta para casa, sofre um pouco e passa. Não, falta
de ar é o pior sintoma que existe. Porque se você tem dor, toma analgésico, você
tem tosse, tem jeito de bloquear. Agora ter falta de ar é uma morte horrível.
Horrível.
Quando
você ouve dizer na Itália os médicos que têm que decidir quais são os que vão
para a UTI, quem vai ter entubação ou não, quer dizer que os outros morrem de
falta de ar. Essa é a situação real e isso que tem que ser colocado para a
população. Não é que vai morrer gente. Vai morrer gente com um enorme
sofrimento. Por isso que os médicos defendem: vamos segurar, para que as
pessoas não tenham que morrer desse jeito, que é um jeito inaceitável.”
Com informações da BBC Brasil
O que tenho a dizer é que fiquem em casa o maior tempo possível pelo amor de Deus!
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