Em um dos diálogos do livro O Pequeno Príncipe, está escrito: “A
gente corre o risco de chorar um pouco quando se deixa cativar”.
Trata-se de uma afirmação nada fictícia. É um risco real, quase eminente.
Todos nós nos deixamos cativar um dia. Intencionalmente
ou não, conscientes ou não. Entregamos o que há de mais precioso: nossa
essência, nossa intimidade, nossos segredos. Nos entregamos para relações
profundas, amigáveis ou familiares ou para relacionamentos amorosos. Ficamos
cativos, com a guarda baixa e desejosos de que tenhamos acertado na construção
desses vínculos.
Toda entrega é um
ato de coragem, por ser uma doação de nós mesmos. É uma abertura incerta e que
pode nos deixar vulneráveis. Afinal, nem sempre as relações se inspiram no “felizes para sempre”.
E a gente chora porque, em algum momento, nós nos
entregamos e vemos nossa entrega não ser valorizada. Nos deixamos conquistar; confiamos,
sem imaginar que uma divergência surgida de natureza qualquer nos faria sofrer.
Se o amor não foi recíproco, se a amizade não viu retorno, se os laços foram
desfeitos por motivos vários... as lágrimas deixam de ser apenas um risco.
Todos nós temos um passado que machuca ao ser
lembrado. Uma decepção advinda de uma entrega. Todos conhecemos uma alma
ingrata, ou insensível, que não soube dar valor às nossas preciosidades. Mas
isso deve ser apenas um passado, que se foi e deixou suas lições. Muito embora
esse passado doa, não pode justificar nenhum tipo de isolamento. De jeito
nenhum. Não podemos ficar amarrados às lembranças dolorosas e deixar de viver
as novas experiências. Não podemos construir muros em nossos sentimentos, nem
nos afastarmos de todas as outras pessoas. Superar sem se endurecer, eis o
segredo.
É claro que superar não quer dizer que uma
experiência triste deixou de existir. Depois de uma dor, de uma tristeza
profunda, de uma decepção muito grande, nunca mais voltamos a ser os mesmos. Algo
passou a ser diferente dentro de nós. Mas, a reconstrução é o caminho mais
viável. Superar é isso, aliás. É deixar algo ruim para trás e recomeçar, mesmo sob
o risco de chorar novamente.
A vida é um eterno risco, afinal. Viver é
arriscar-se, todos os dias. Por isso mesmo, desfaça-se dos elos que tão somente
te amarram. Livre-se das relações que se tornaram fardos. Tome suas
providências, mas lembre-se: não se impeça de se deixar cativar novamente.
Permita-se cativar de novo, e mais uma vez, e sempre. Aceite abrir a janela da
alma, se entregar, arriscar novamente. Deixe o que é velho seguir seu caminho,
até se esconder atrás das novas lembranças e recomece.
Deixe passar quem não te valorizou. Entregue-se
para o futuro, siga em frente, permita-se cativar de novo. Sempre tem espaço
para uma nova amizade, um novo amor. Sempre haverá um jeito de viver algo novo,
nas páginas novas que você decidir preencher.
É verdade: a gente corre o risco de chorar. Vai ser
sempre assim. Porém, que esse temor não te impeça. Aposte que sempre haverá alguém
que saberá como te cativar e te manter feliz assim. Mas aposte com o coração,
porque já sabemos que só se enxerga bem assim. “O essencial é invisível aos olhos”, dizem, e isso também está
longe de ser ficção.
Alessandra Piassarollo
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