“Amanhã
não vai ter aula porque pode ser feriado”, dizia o criativo recado, que ainda
acrescentava: “É verdade esse ‘bilete’”.
Tem
feito sucesso nas redes sociais a criativa travessura do menino Gabriel Lucca,
de 5 anos, que vive com a família na cidade paulista de Bocaina. Num ‘plano
ousado’ para não ir à escola e assim assistir em casa a uma série de televisão,
ele escreveu para a mãe este inusitado bilhete:
“Senhores paes [pais]:
Amanhã não vai ter aula porque
pode ser feriado
Assinado: Tia Paulinha”
E,
por via das dúvidas, ele ainda tomou a estratégica precaução de acrescentar um
relevante post scriptum:
“É verdade esse bilete [sic]”
Uma inesperada repercussão
Tanto
a mãe, Geovana Santos, quanto a professora, Paula Renata Robardelli, a “Tia Paulinha”, compartilharam o
episódio nas redes sociais e falaram da criatividade, inteligência e humor do
pequeno, que, aliás, admite rapidamente quando inventa brincadeiras desse mesmo
tipo. Gabriel aprendeu a escrever aos 4 anos e costuma enviar cartinhas e
bilhetes a familiares e amigos, além de ler para eles.
As
travessuras fazem parte da infância e do processo de desenvolvimento de todos.
No entanto, quando elas envolvem o que se costuma chamar de ‘mentirinhas’,
dividem-se as opiniões dos adultos: há quem não veja nisto nada de preocupante,
principalmente quando a própria criança reconhece entre risos que estava
brincando, e há quem vislumbre a necessidade de aumentar a atenção. Os
comentários de internautas nos vários sites que repercutiram o caso deixam
clara essa diversidade de pontos de vista.
Acontece
que nem é coisa que deva causar alarme, nem é coisa que se deva deixar passar
totalmente em branco.
A
reação adequada de pais e professores aos milhões de casos semelhantes que
acontecem no dia-a-dia requer bom senso e atenção – não só à criança, mas,
principalmente, às atitudes deles próprios: dos adultos.
O
pequeno Gabriel nos oferece, com a sua brincadeira de criança alegre, uma boa
oportunidade de reflexão e discussão: qual é o limite entre a imaginação e a
mentira, e, no campo desta, qual é o limite entre a mentira supostamente ‘inofensiva’
e a maliciosa?
Imaginação versus mentira
As
crianças tendem a misturar o real e o imaginário até por volta dos 6 anos –
algumas até um pouco antes, outras até um pouco depois. Um dos aspectos que
mais precisamos compreender sobre a lógica do pensamento infantil é a diferença
entre essa imaginação natural para a idade e o conceito de mentira propriamente
dito.
Mentir
é declarar, de modo consciente e consentido, algo que é diferente da realidade
objetiva, escondendo ou alterando voluntariamente um fato a fim de, com isto,
obter algum benefício – seja para si mesmo, seja para outra pessoa. A intenção,
muitas vezes, pode até ser boa, mas não elimina o fato de que se está forjando
algo falso no qual se quer que outros acreditem: ou seja, por mais que a
intenção pareça válida, alguém será enganado, o que é objetivamente mau.
As
crianças, por volta de 3 anos, começam a criar histórias fantasiosas que, nessa
fase, as ajudam justamente a construir o seu senso de realidade. Elas ainda não
sabem identificar claramente o que é ficção e o que é real: vão começar a
descobrir pela experiência. Fantasiar é também um meio importante para a
criança vivenciar sentimentos que ela ainda está estruturando.
A
partir da idade escolar, porém, que costuma ser por volta dos 6 anos de idade,
a visão de realidade está mais desenvolvida e a criança tem mais capacidade
para distinguir entre verdade e fantasia – e também para entender que certas ‘historinhas’
inventadas podem lhe trazer benefícios: o caso mais comum é o de tentar se
livrar da ‘autoria’ de alguma bagunça. “Não
fui eu, foi o gato”, por exemplo, é um clássico.
Em
casos como este, já podemos considerar que a criança está, sim, mentindo e não
apenas fantasiando.
Mentira ‘inofensiva’ versus mentira
maliciosa
E
aqui entra o próximo limite a se distinguir: aquele entre a mentira
supostamente ‘inofensiva’ e a mentira maliciosa. Mas, antes ainda, é preciso
distinguir algo mais básico: o porquê dessa mentira no caso de uma criança.
Pais
e professores precisam avaliar em primeiro lugar, com honestidade, a rotina da
família e das pessoas com as quais a criança convive. Se a criança está achando
que mentir é a melhor alternativa em dado contexto, é porque alguma coisa no
ambiente ao seu redor a está levando a pensar assim: talvez o medo de algum
castigo, ou até o receio de magoar os pais. Em qualquer caso, o que está na
causa da mentira é o fato de que a criança não está recebendo sinais
suficientes dos adultos mais próximos de que ela pode confiar neles e lhes
contar a verdade em qualquer circunstância.
É
por isso que as ‘mentirinhas’ da criança nessa idade não precisam ‘alarmar’ os
pais e professores no sentido de acharem que a criança tem algum ‘desvio de
caráter’. Calma: geralmente, as ‘mentirinhas’ das crianças são mais um reflexo
de alguma(s) postura(s) dos adultos do seu convívio do que de alguma ‘inclinação
moral’ delas próprias: não são, em sua grande maioria, mentiras maliciosas.
No
entanto, uma coisa é não fazer alarde com base em interpretações precipitadas e
outra coisa é não dar a mínima importância a essas ‘mentirinhas’: é preciso,
sim, dar importância a elas, mas na medida adequada, sem exageros, por um lado,
nem minimizações, por outro. Como?
Todo
mundo já sabe, na teoria, como educar uma criança: com diálogo e, muito mais
eficazmente, com o exemplo. Melhor ainda: com diálogo e exemplo juntos.
O desafio de evitar o exemplo da
“mentirinha”
As
crianças são muito mais imitadoras do que entendedoras, e, por isso mesmo,
acabam entendendo melhor quando aprendem algo mediante a reprodução prática do
bom exemplo dos adultos.
Via: Aleteia
Comentários
Postar um comentário