Não
são os laços de sangue, os acordos matrimoniais ou quaisquer outras convenções
sociais e relacionais que aproximam as pessoas, mas os laços de afinidade. Uma
verdade dura? Talvez, mas sinto que é assim na prática. Quando criança,
ressentia do fato de parte da família residir longe e quase nunca manter
contato, mas hoje entendo que é assim mesmo. Compreendo inclusive a reciprocidade
da ausência, pois eles e eu não nos procurávamos. As pessoas mantêm contato com
os familiares que querem, de que mais gostam, e não com todos da família.
Quem
tenta forçar relacionamentos entre pessoas simplesmente por serem familiares ou
consortes de um mesmo grupo social o faz porque não sacou que está forçando a
barra. Nas escolas, nos clubes, nas igrejas ou onde quer que seja é do mesmo
jeito, há sempre os grupos formados. Há quem diga que existe até a
possibilidade de gostar mais de um filho do que de outro, a depender da forma
como esse filho comporta-se na vida ou da maneira com que cuida dos pais.
Imagina então o que não acontece entre estranhos.
Essas
aproximações e esses distanciamentos muitas vezes são involuntários. Por que
permanecemos amigos daquela pessoa cinco anos depois dos demais do grupo terem
se distanciado? Por que temos a impressão de que gostamos mais de certos amigos
do que de nosso irmão? Por que temos aversão aquele parente que é tão próximo,
como um tio ou um primo, por exemplo? Por que amamos aquele que racionalmente
não queríamos amar?
Os
sentimentos são naturais, humanos. Emoções brotam do coração, vêm do íntimo. A
amizade é algo que existe quase organicamente, pois – tal qual o amor –
acontece quando duas pessoas encontram-se e decidem partilhar da mesma estrada,
cuidando para o fortalecimento mútuo. O amor, então, nem se fala. Figurinha
mítica que no início é poesia e tormenta. Haja ciência comportamental para
explicar a afinidade e o apego atroz que sentimos por alguém, mesmo sem nenhum
motivo aparente. Sentimentos não se explicam totalmente e nem sempre
comunicam-se. Posso morrer de dar atenção a alguém e receber desprezo em troca.
Reciprocidade nem sempre é algo motivado.
Compreender
essa realidade tão simples leva-nos a sofrer algumas escalas a menos.
Diminuímos os julgamentos e não achamos mais que muitos ao nosso redor são
frios. Deixamos de achar que algumas pessoas deveriam naturalmente ser mais
próximas, quando na verdade não é uma regra absoluta (aliás, nada é). Pessoas
não são encaixáveis. Seus sentimentos, muito menos. Cada um apega-se com o que
quer. Isso é próprio da complexidade humana. Somos diferentes. Alguns são de
Marte, outros de Vênus. Alguns são apegados a padrões, outros são anárquicos.
Alguns são metódicos até nos pensamentos, outros vão com a brisa. Alguns perdem
a paz por dez reais, outros sentem muito prazer em poder partilhar o pouco que
possuem. Não dá para pensar que é possível conjugar todos esses tipos humanos e
suas peculiaridades por consanguinidade ou qualquer outro “dever ser”. Esses laços humanos não dançam. Não dão samba.
Via: Conti Outra
Comentários
Postar um comentário