A
gente nasce por puro descabimento. Não fosse o espaço interno da mãe, tão
acolhedor, tornar-se exíguo e desconfortável, talvez ficássemos lá por muito
mais do que 40 semanas.
É
da nossa natureza adiar confrontos, deixar pra depois, esperar que tudo se
resolva com o tempo. Ahhhhhh... o tempo! Esse modulador exigente de nossas
vidas.
O
tempo é senhor de nossa aparência exterior e da nossa disposição interna. O
tempo desenha histórias em nosso rosto, arredonda nossas formas femininas, põe
limites em nossas ousadias, diminui nossa necessidade de sono e aumenta nossa
necessidade de repouso.
Antagonista
por natureza, esse senhor do destino também traz presentes, que só podem ser
conquistados no decorrer de sua passagem. É o tempo que nos ajuda a esquecer
das perdas, que nos torna menos reativos, que nos recheia de sabedoria e nos
cobre com a certeza de que não há certezas nessa vida.
E
é por isso que cabe a nós tentar estabelecer com esse companheiro de jornada,
uma relação mais presente e repleta de diálogos íntimos. A falta de intimidade
com o tempo nos torna reféns dele. E o cativeiro do tempo é implacável e
injusto.
Nascer
também nos coloca numa perspectiva inteiramente nova. Se antes a relação de
interdependência entre nós e nossa mãe era intrínseca à nossa condição, aqui
fora a coisa muda de figura.
Ao
nascer temos de contar com a sorte de ter sido estabelecido um laço afetivo
entre a mulher que nos gerou e a nossa vida que se inaugura. Vínculos formados
garantem que receberemos cuidados, afeto, alimento e os estímulos necessários
para que sejamos instrumentalizados para seguir por conta própria, num futuro
relativamente distante.
E
se os vínculos não se estabelecerem, ficamos expostos às agruras da vida,
desprotegidos e vulneráveis. Acabaremos dando um jeito de nos adaptar,
seguiremos aos trancos e barrancos e acolheremos em nosso corpo e nossa alma,
as deformações inevitáveis que o abandono inflige.
O
fato é que de nada adianta ficar chorando pelo leite que azedou, porque se
tivesse derramado, ainda haveria opção de resgate. Não serve de nada ficar
ruminando o passado, a falta de afeto, a carência, a desatenção.
A
vida se descortina, cheia de novas oportunidades a cada vez que temos a ousadia
de sair da cama e enfrentar o mundo, e aprender a fazer escolhas, e deixar os
pesos no chão, para poder caminhar de ombros e costas libertas. Lutemos pelo
direito de descaber, porque de gente encaixotada o mundo já está cheio demais.
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