Eu
queria ser um sujeito engraçado. Desses que na hora certa dizem coisas tão
divertidas, mas tão incrivelmente alegres que fazem quem estiver perto parar e
sorrir.
A
cada palavra minha, uns iam gargalhar de doer o ventre, outros ririam rasgado
de esquecer as dores. E outros sentiriam um fiozinho de leveza em seu lá dentro
capaz de provocar um riso tímido, um alívio de contentamento, um refresco
humilde no peso da vida. Mas ninguém, ninguém seria indiferente à minha graça. Eu
queria ser um sujeito assim.
Quando
eu contasse uma lembrança brincalhona, um caso curioso da minha avó, um chiste
à toa, por exemplo, no ponto de ônibus, toda pessoa aborrecida com o atraso do
transporte, o cansaço do trabalho ou o preço do feijão desabaria na risada.
Esse riso haveria de afetar o cidadão ao lado, e o outro, o outro e os outros
mais. E todos nós ali, contagiados, juntos, riríamos tanto e tão refeitos,
restabelecidos, que quase nem notaríamos o ônibus demorando.
Quem
tomasse parte desse instante chegaria em casa comentando com a mulher, o
marido, os filhos, os irmãos: “você não
sabe! Hoje um sujeito divertido fez todo mundo dar risada no ponto!”
Ah,
quem me dera ser um tipo engraçado mesmo. Não ‘engraçadinho’, que por aí tem
tantos. Queria ser um pândego autêntico. Teria sempre, de cabeça, um relato
cheio de graça, jamais de ‘gracinha’, para sacar no instante preciso,
desarmando interlocutores cheios de ódio, desconhecidos travados de fúria,
rivais tomados de ira partindo um contra o outro.
No
segundo que antecede uma briga de bar, lá estaria eu, enfiado entre os
valentões irascíveis. Implacável, eu gritaria um chiste saboroso, simples, e
confusão nenhuma iria para a frente, porque todos cairiam numa gargalhada
irresistível, profunda, demorada. E ao fim todos desabaríamos em descabido
estado de festa, unidos, leves, reconciliados com a graça da vida. Essa vida
espantosa, sublime, que tanta gente tenta fazer ordinária e vil.
Fosse
eu um sujeito engraçado de fato, minha graça seria requisitada pelas Nações
Unidas em missões de paz ao redor do mundo. Sairia por aí, diplomata sem
formação, orientado a contar passagens pitorescas para carrancudos chefes de
estado, conspirando por melhorar seus humores, em minha pequena contribuição
para a paz, a compreensão e a ajuda generosa entre os povos. Eu queria ser um sujeito
poderosamente engraçado.
E
ainda que um dia, por qualquer sorte, a vida me levasse tudo, família, amor,
trabalho, dinheiro, saúde, esperança, amigos, eu manteria aqui dentro um
punhado de lembranças inventadas, memórias recreativas, recordações contentes
queimando numa fogueirinha humilde que me aqueceria o coração e me conservaria,
para sempre, um sujeito nem rico e nem pobre, nem louco e nem são, nem certo e
nem errado. Nada senão alguém confusa e inexplicavelmente cheio de graça.
Quem
sabe assim eu me sentisse menos triste à tardinha, quando o sol apronta as
malas e me faz sentir saudade e esperança. Tristeza que dói mansinha
compensando o fato de que vai doer para sempre.
Se
eu fosse um brincalhão espirituoso eu teria tudo isso. Teria só para dividir
aqui e ali, alastrando por todo canto uma chama de sonho, de riso e de festa.
E
aquela moça amiga, alegre de nascença e juventude que agora vai doente,
tristonha e sozinha, ao me receber numa visita breve, cheia de graça e de
lembranças infantis, abriria um sorriso franco e a fé na vida lhe voltaria a
brilhar na fronte. Eu queria, ah, como eu queria ser um sujeito engraçado.
Via: Conti Outra
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