Em
um dos seus versos, Pablo Neruda disse que “se
nada nos salva da morte, pelo menos que o amor nos salve da vida”. Talvez
seja ridículo dizer o quanto isso é óbvio, mas andamos tão esquecidos, tão
sobressaltados, tão desmemoriados, que é preciso dizer o óbvio, a fim de que os
nossos olhos consigam sair de nós e enxergar além das grandiosidades vazias que
nos cercam.
Nos
outros, em nós, nos lugares mais próximos, nos lugares mais distantes, não
importa aonde se vá, estão todos perdidos. Todos perambulando, andando por
aqui, acolá. Cortando as multidões, em que muitos se veem, mas poucos se
enxergam. As pessoas não parecem satisfeitas, os seus olhares procuram algo
perdido. Será a humanidade cada vez mais distante?
Mas,
ninguém para, ninguém questiona, ninguém ousa andar em sentido contrário,
afinal, ninguém quer ser visto como fugitivo. Os fugitivos são perigosos, eles
incitam as pessoas a pensarem. E quem pensa, desorganiza, perturba a ordem,
quebra a normalidade de uma vida cheia de banalizações. Sabemos bem que o
sistema não costuma gostar de sujeitos subversivos.
E
como somos bastante obedientes, ficamos quietinhos. Podemos até chorar, mostrar
a nossa insatisfação com a vida, a nossa desesperança, a nossa fragilidade. Mas
é preciso que seja em silêncio, claro. O sistema não gosta de alardes e as
lágrimas costumam sempre mostrar os esconderijos da alma, algo que –
convenhamos – não deve ser mostrado, já que vivemos como máquinas.
Vivemos
como máquinas e tudo que nos faça pensar ou recuperar o humano deve ser
esquecido, apagado da vida e da memória. Além disso, o que há para fazer? Somos
ensinados desde logo que boi sozinho se lambe melhor, a não despregar os olhos
de nós mesmos, ainda que para que possamos nos enxergar seja necessário ir além
do nosso próprio reflexo.
Assim,
o sistema de desvínculos que nos circunda torna-se perfeito, porque não
enxergamos o humano no outro, o outro não enxerga o humano em nós, de modo a
ficar todos perdidos e todos famintos. Com fome de gente. Com fome de toque.
Com fome de abraços.
E
não adianta tentar preencher o vazio com outras coisas, por mais que diga que
se pode, porque afeto não é mercantilizável, embora os mercadores do amor
tentem sempre arrumar uma nova forma de vendê-lo e nós obedientemente novas
formas de comprá-lo.
No
entanto, sempre chega o momento em que o algo que fala em nós grita que não há
como viver de forma tão banal, desinteressante, solitária, egoísta. Não dá para
viver apenas enganando o estômago. Uma hora, ele quer pão, assim como a alma
quer abraços. É o instante em que se ainda não conseguimos enxergar a
humanidade nas pessoas, ao menos enxergamos a fome que domina os seus olhos,
repletos de secura.
Nesse
instante, em que a alma cansada de chorar em silêncio se coloca para fora;
percebemos que ser fugitivo é a única possibilidade de liberdade e que o toque
é o que humaniza a nossa existência, pois se o amor é capaz de criar um escudo
contra a morte, é preciso que o utilizemos para que – como falou Neruda –
salvemo-nos da vida.
Via: Revista Pazes
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