Às
vezes, nas nossas relações humanas, a gente tem que ser mais vista grossa do
que acolhida, mais silêncio do que escuta, mais distância do que se deixar
invadir por dores que não são nossas.
Temos
o costume de achar que ser assim é ser desumano, indiferente, frio. Achamos que
se a gente não escuta, não acolhe, não participa da dor do outro, dos problemas
de alguém, da carência, estamos sendo egoístas. Mas a verdade é que se fechar e
se preservar pode ser uma atitude bastante altruísta.
Ignorar
falas carregadas, sair de perto de provocações baratas, criar silêncio onde
havia uma inundação de dores e palavras é uma forma de quebrar círculos
viciosos, romper uma energia que não está se transformando, mas apenas se
propagando.
Porque,
às vezes uma pessoa se abre, fala, desabafa para receber ajuda, para se
observar de fora, para aprender e mudar de energia. Mas, tantas outras vezes,
os desabafos não têm esse tom de mudança, eles são apenas apegos na dor, na
vitimização, buscando um ouvido, um coração para fazer ninho e validar ainda
mais essa verdade, esse apego.
Se
a gente ouve e entra na dança, se absorvemos as lágrimas, se nos amargamos com
as reclamações desenfreadas, se nos irritamos com provocações baratas, a gente
contribui para que a doença se propague e cresça. Ela ganha força, ganha
credibilidade, a maré avança.
Às
vezes, as pessoas querem se nutrir dessa forma de atenção, às vezes esse peso
que trazem é a forma que elas encontraram para se sentir importantes. Mas esta
é uma nutrição fraca, sem vitaminas, não alcança os níveis profundos da alma.
Estes
são alimentos junk food pra alma.
Saciam por algumas horas, ocupam os buracos das dores, os vazios existenciais,
mas não trazem transformação e uma paz mais profunda.
É
mais fácil comer um cachorro quente na esquina, é mais fácil não questionar os
próprios hábitos e vícios. É mais fácil continuar encontrando um ouvido junk food para alimentar a nossa sina.
A
escolha de transformar a forma de ver e de ser no mundo, para ser mais leve,
independente emocionalmente e com uma boa reserva de amor próprio, requer
aprendizado, consciência, vontade, empenho e atenção constantes.
Nem
todos estamos dispostos a empreender esse caminhar. Mas se a gente está, se a
gente já sabe se autoconectar e sanar as próprias dores, com ajuda sim, mas sem
dependência completa, acho que a gente tem também que impor limites, tem que
escolher não se doar sempre, tem que lavar as mãos e fechar os olhos para o que
não é nosso. Se a gente vê que escutar não está ajudando, que a troca está
sendo desequilibrada, que o que está chegando até nós é apenas lixo existencial
sem intenção de ser reciclado, é melhor a gente sair do barco, porque ele está
furado.
Algumas
vezes a gente não consegue contribuir para que as coisas se renovem e boas energias
floresçam. Então que a gente abandone, mesmo que por um tempo, que a gente siga
em frente, que a gente deixe o vento levar.
Que
o vento leve o que não for leve, e se não houver vento, então que a gente mesmo
faça ventar.
Via: Resiliência Mag