O
calor da tarde me fez sentar à sombra, num banco de praça. E enquanto a sombra
me trazia de volta o fôlego perdido, notei um homem parado ali por perto. Sua
aparência peculiar me chamou a atenção.
Estava
ele, um senhor de aparência bastante humilde, se aprontando para sair. Notei a
barba, cuja cor vinha sendo tingida de branco pelos anos que se acumulavam em
seu calendário. Os anos também deveriam ser os responsáveis pelos vincos que
cercavam os olhos dele. O ar de maturidade era quase palpável. Aquela
maturidade que o tempo trás, mas a custo de experiências excruciantes.
Seus
pés visivelmente calejados haviam sido calçados com um chinelo azul. A cor
pouco desbotada mostrava que a caminhada em conjunto era apenas começada. Ainda muito chão teriam os dois pela frente.
Tinha
ele, e parecido orgulhoso disso, uma bicicleta. A marca conhecida, cuja
propaganda estava impressa no quadro, agora mal se podia ler. O outrora
vermelho da pintura vinha sendo substituído pela marrom impiedoso da ferrugem.
Sinal de que há muito os dois se possuíam e envelheciam lado a lado.
Chamou-me
a atenção o cuidado, beirando devoção, com que preparava sua companheira de
jornada para sair. Com calma, e um pouco de carinho, ele a aprontava e ajeitava
um cadeado e uma corrente. Os objetos pareciam ser recém-adquiridos, e esse
contraste era evidente, assim como a preocupação com sua posse de longa data.
O
zelo do homem me deixou fascinada por algum tempo. Enquanto o olhava, pensei
nas coisas que ele provavelmente ignorava.
Certamente não nutria nenhuma preocupação com o que acontece nas mídias
que tanto prezamos. Não parecia gastar seu tempo com essas miudezas. Talvez ele
risse de mim, se eu lhe perguntasse sobre seguidores de redes sociais. Acho que
ele se interessa mais por uma boa conversa, feita na porta de casa, sem
tecnologias.
Mas
via-se claramente que ele entendia de trabalhar para ganhar seu pão. Seu
semblante não deixava dúvidas de que foi o suor no rosto quem lhe comprou o
sustento, dia após dia; o olhar atento denunciava que ele viu muito da vida, e
aprendeu com ela. E deve ter guardado muitas dessas histórias pra transportar
em sua ‘bagageira’.
O
cadeado novo, que manteria segura sua bicicleta, mostrou que ele sabe o que
importa de verdade: que tem valor o que foi conquistado com esforço. Que as
coisas não deveriam ser tão descartáveis como temos feito parecer. Dignidade
não tem preço, ainda que se tenham poucos bens. Estar vestido com simplicidade,
de chinelo no pé e modéstia na cara não diminui a pessoa de ninguém.
E
então finalmente eu o vi partir, com sua Monark e suas verdades sob o sol
escaldante. Fiquei com as lições. A vida segue me ensinando de muitas maneiras,
e hoje ela estava montada em uma velha bicicleta vermelha.
Alessandra
Piassarollo