Você era meu ímpar.



Hoje eu perdi as contas de quantas vezes eu conferi se a porta do meu apartamento estava bem fechada, trancada quatro vezes pela chave tetra. Perdi os passos que dei até conferir se a varanda estava com as portas de vidro bem encaixadas de uma forma que o trinco de uma porta encaixe-se perfeitamente na outra, lacrando meu ambiente e passando a segurança de que estava tudo muito bem trancado. Refiz os passos, conferi portas, fechaduras, janelas e varanda. Quatro vezes cada uma, porque quatro é par. Estava tudo bem fechado e eu me sentia protegida.

Perdi as contas de quantas vezes prometi para mim mesma que não contaria mais nada. Cálculo nunca foi meu forte, mas por você eu aprendi a contar. Contar os beijos que te dava antes de dormir, os abraços apertados antes de você entrar no carro para o trabalho. Contar os sorrisos que você costumava abrir para mim na hora que acordava. Eram três, ímpar, deve ser por isso que você se foi e agora eu me tranquei.
Eu tranco tudo, cada pedaço desse apartamento que costumava ser nosso, porque sei que você não vai voltar. Você não vai aparecer no meio da noite, como fazia antes, nem pegará a chave que ficava de baixo do cacto do corredor do nosso andar, eu já escondi ela em outro lugar. Você não vai voltar porque você tá preso é aqui dentro.
As suas memórias estão aqui. Sua coberta preferida, sua coletânea de CDs que ganhou da sua avó naquele último natal que passamos juntos. Seu livro de física quântica e sua luneta ainda estão no meu escritório. Você escolheu ir embora, mas deixou todas as suas memórias aqui dentro e todo dia, antes de dormir, eu tranco e confiro cada cômodo, porta, janela e varanda só para ter certeza que de dentro de mim, você não sai. Ainda não estou pronta para abrir uma greta da porta e te deixar escapar.