É
amor que dá vontade de trabalhar mais, amor que vem vestindo esperança, que
renova a fé na vida e nos faz seguir adiante até o lugar dentro da gente onde
os nascem os sonhos, entre samambaias e espadas de São Jorge.
Sabe,
eu ando sentindo amor de novo. É fogo. Mas eu dei de ter ternuras, frio na
barriga, fazer planos, decorar letra de música, sonhar grandezas. Eu ando
sentindo amor de novo!
Assim,
sem mais, pulo da cama querendo construir uma casinha na árvore onde meu filho
vai brincar com o irmão que eu hei de lhe dar no Natal. Tenho ímpetos de bater
palmas de porta em porta, contar aos desconhecidos que o amor foi dar lá em
casa. Comprar uma câmera, fotografar os besouros, caramujos, tatus-bola e
joaninhas que derem as caras por aqui.
Ando
sentindo amor de novo. E isso é tão bonito que eu nem acho que é comigo. Careço
distribuí-lo por aí. Penso nas minhas avós avisando que tudo o que a gente
ganha a gente tem de dividir.
Quero
arrumar a casa, ajeitar a vida, construir uma biblioteca, batizar o filho de um
amigo num domingo de manhã, ter planta na sala, comprar um abajur. Ajudar uma
amiga que arrecada livros no fim do ano para as crianças de um orfanato. Eu
quero, ah, eu quero tanto chorar de rir com meu irmão lembrando as trapalhadas
do nosso pai. Quero, imagine você, ser amigo da Ângela Rô-Rô que me lembra
poderosa “que a vida é bela, só nos resta
viver”.
Sou
nada além de um pobre homem antigo que ainda chama calendário de ‘folhinha’,
comercial de TV de ‘reclame’, guaraná de ‘refresco’, jaqueta de ‘abrigo’. Mas
sinto aqui dentro um amor tão amigo, grandioso, maior que a minha árvore
genealógica e seus avós imigrantes, trisavós vendedores de doces, tataravós
escravos alforriados e suas florestas de histórias. É que eu ando sentindo amor
de novo, sabe?
É
amor que dá vontade de trabalhar mais, amor que vem vestindo esperança, que
renova a fé na vida e nos faz seguir adiante até o lugar dentro da gente onde
nascem os sonhos, entre samambaias e espadas de São Jorge.
Assim,
de novo, eu me sinto tão rapaz, tão capaz de tudo! Posso abrir a janela agora e
gritar para as cigarras e os vizinhos: eu ando sentindo amor de novo!
E
meu pequeno gesto será capaz de soprar um cisco de ternura no olho direito de
um assassino que, com o dedo no gatilho, a arma apontada para a vítima, se pega
a sentir vergonha daquilo que se tornou. Então desiste do crime, joga o
revólver para longe e sai correndo se entregar à polícia, arrependido, disposto
a pagar por todos os seus crimes.
Minha
declaração de amor descarada há de fazer o policial despreparado que torce o
braço da estudante, em um protesto contra o fechamento de uma escola, se dar
conta do quanto está enganado e cair no choro de joelhos, pedindo desculpas à
moça, a Deus e ao mundo.
Vai,
sim. Sentir amor vai nos salvar de tanto ódio, tanta guerra, tanta dor. É
urgente, minha gente. Nada é mais urgente que deixar o amor viver na gente.
Imperioso sentir na carne esse amor que entra e se esparrama no caminho feito
cachorro que retorna do passeio, bagunça quase tudo e desarruma o resto. O amor
que é um incêndio se espalhando em mato seco quando a gente o assopra e
alimenta.
Eu
ando sentindo amor de novo. Amor que faz viver. Viver que é imprescindível, que
é pra já e é pra sempre. É tempo. Chega de ódio, chega de dor. É tempo de
deixar o amor viver na gente. Não repare o mau jeito, meu povo. É que eu ando
sentindo amor de novo.
Via: Caminhos