Mário
e o fusca que nunca andou...
Mário,
um homem simples e trabalhador, viu passar na rua um fusca todo bonitão,
completamente modificado pelo dono. O carro passou e todo mundo ficou olhando,
cheio de admiração. Naquele momento, Mário sabia: ele queria um fusquinha
igualzinho àquele.
Não
demorou muito para que Mário comprasse um fusca velho e quebrado, na verdade
uma sucata, que ele pretendia consertar para um dia viver aquele momento de
passar na rua e todos admirarem seu carro lindo. Como tinha poucos recursos,
Mário não podia contratar uma oficina e fazia ele mesmo todos os trabalhos, às
vezes buscando ajuda de um ou outro amigo que entendesse mais de mecânica que
ele (o que não era difícil, já que ele praticamente não entendia nada). As
peças que precisava ele ia comprando aos poucos, normalmente usadas, em
ferros-velhos, e assim ele foi consertando seu fusca, sonhando com o dia quando
ele ficaria pronto para o passeio triunfal pelas ruas do bairro.
Com
grande foco nos detalhes, Mário buscava as peças ideais, mesmo que tivesse que
se deslocar para cidades vizinhas ou mesmo outras mais distantes e gastar
quantias que nem tinha, se endividando para isso. Ele não media esforços e
buscava sempre ‘o melhor’ para seu fusquinha, não bastando que uma peça se
encaixasse e funcionasse; ela tinha que ser perfeita, pois seu fusca tinha que
ser igualzinho àquele que ele viu passar.
Depois
de muito esforço, ele conseguiu colocar o motor do fusca para funcionar. Seus
amigos, quando souberam, vieram para dar um passeio com Mário e seu fusca, mas
Mário rejeitou, argumentando que seu carro só colocaria ‘os pés’ na rua quando
estivesse totalmente pronto.
O
problema foi que Mário ficou completamente preso a uma ‘imagem ideal’ de seu
fusca, tão ideal que o veículo nunca ficou pronto. Ele consertava aqui, aparafusava
ali, pintava acolá, mas nunca se sentia satisfeito, afinal, tratava-se de SEU
fusca e ele tinha que ser perfeito. Assim, ao invés de cuidar para que o fusca
andasse o mais rapidamente possível e curti-lo da melhor forma, usando aquilo
que já tinha, Mário ficou ali, durante anos, investindo todo seu tempo e seu
dinheiro em busca de uma perfeição inatingível.
O
resultado foi que o conserto do fusca nunca foi concluído, o carro nunca andou
e nunca foi admirado pelos demais ao passar na rua. E Mário? Ah, o Mário! Ele
foi atropelado por uma Kombi ao atravessar a rua e morreu de imediato, talvez
consolado por ter sido levado por um carro do mesmo fabricante do fusquinha de
seus sonhos.
Não
fazemos o mesmo com ‘nossos fuscas’?
Vejo
o mesmo fenômeno de “Mário e seu fusca”
na área de autoconhecimento/autoajuda, com muita gente consumindo textos e mais
textos, conselhos e dicas, reflexões e sabedorias, o que, em princípio, não é
ruim, já que mostra que tem muita gente por aí preocupada em crescer e melhorar,
preocupada em ‘consertar’ a si mesma. O problema é que também aqui se busca
muitas vezes uma perfeição que jamais será atingida, também aqui se espera que ‘o
fusca’ fique totalmente pronto para que se saia com ele na rua, se espera por
algo que provavelmente nunca virá, ao invés de aproveitar que o motor já
funciona e o carro já anda para começar a viver, praticando o que já se sabe e
sendo ‘o fusca’ que já se é, tirando o melhor proveito dele e saindo para a rua
e para a vida.
Como
no caso do Mário, que viu passar um fusca bonitão na rua, temos muitas vezes
algum exemplo que transformamos em meta, vemos algo que queremos então ser, ter
ou fazer igual, fixando nossa atenção, nossos esforços, nossa vida numa ideia,
correndo atrás de algo que, no fundo, é do outro e não realmente nosso, na
verdade imitando, copiando, invejando. Não, não há nada demais em admirar o
alheio, de se deixar inspirar por ele, mas aquilo que é do outro não deveria
nos definir, já que é do outro e não nosso.
O
fenômeno é parecido, com gente não medindo esforços para achar ‘as peças’
ideais que acham que precisam, comprando livros, participando de terapias,
cursos e seminários, investindo tempo e dinheiro e fazendo de tudo para
consertar a si mesmo, mesmo quando não há qualquer necessidade real de
conserto.
Mário
teria sido mais feliz se ele tivesse admirado aquele fusca que passou, se
inspirado, mas sem a meta de seu carro ser perfeitamente igual. Ele teria sido
mais feliz se tivesse buscado (e encontrado) seu próprio fusca, mesmo que esse
não fosse tão bonito, tão perfeito, tão igual àquele que passou por ele na rua.
Acho
muito importante buscar ser quem realmente somos, como somos, com nossos
amassos e arranhões, com nossas imperfeições, consertando aquilo que realmente
é necessário, sem se prender a detalhes, entendendo que tem coisas que podem
não estar 100%, mas que funcionam assim mesmo, que essas coisas não precisam
necessariamente ser consertadas para que sejamos felizes. O tempo gasto com a
espera ou com a busca pela perfeição é tempo gasto de vida. E esse é um gasto (de
tempo) que não vale a pena.
Não
importa se ele ainda não está pronto, não importa se falta a pintura e o
acabamento final, não importa se o rádio ainda não foi instalado: verifique
somente se as funções básicas estão em ordem e, se estiverem, sente-se em ‘seu
fusca’ e vá passear. Vá viver! A vida é muito curta para passar o tempo todo
consertando a si mesmo. 😉
Via: Gustl Rosenkranz