Benditos
sejam os amantes afeitos a exibir seu amor ao mundo, empurrar juntos o carrinho
do supermercado, beijar em público, esperar à tardinha em sorveterias de
bairro. Que sejam felizes como felizes estamos nós, que escolhemos o caminho
inverso. Nem piores, nem melhores. Apenas e tão somente nós. O que é nosso,
amor, por escolha nossa, há de ficar aqui.
Pode
vir. Faz as malas, vem. Chega contente, disposta, à vontade. A casa é sua.
Entra, senta, fica. Tira os sapatos se quiser, pula na cama, descansa teus pés
cansados nestas costas. Repousa tua alma na companhia da minha, encosta teu
corpo neste canto do mundo. Chega aqui. Pode chegar.
Enquanto
essa multidão de casais felizes passeia lá fora, lotando sessões de cinema,
corredores de shopping, festas da uva, lojas de material para construção,
parques cheios de luz, nós aqui nos deixamos estar sem mais, desconfiando o
mundo pelos desenhos do sol e da lua no teto do quarto entre os vãos da janela,
esquecidos do tempo, do vento e da chuva. Entregues a nossas questões pessoais,
nossas mecânicas domésticas, nossos movimentos íntimos universais. Distantes da
rua lá embaixo, da festa das vozes em grupo, das luzes acesas.
Benditos
sejam os amantes afeitos a exibir seu amor ao mundo, empurrar juntos o carrinho
do supermercado, beijar em público, esperar à tardinha em sorveterias de
bairro. Que sejam felizes como felizes estamos nós, que escolhemos o caminho
inverso. Nem piores, nem melhores. Apenas e tão somente nós. O que é nosso,
amor, por escolha nossa, há de ficar aqui.
Vem,
goza comigo o direito sagrado de fazer, sentir e manter nossas coisas em um
paraíso secreto, restrito. Que estas quatro paredes nos guardem, protejam e
preservem dos males do mundo, dos olhos alheios, das coisas da vida. Que
sejamos assim, você e eu, enquanto der. Enquanto for.
Ninguém
mais carece saber de nossos risos e angústias, nossas alegrias desaforadas,
nossas horas lentas e silêncios longos. A quem mais interessam nossos cheiros e
nossos gostos? Tem coisa que não tem jeito: ainda que se queira, não é possível
dividir. Não se deve. Tem coisa que é só nossa, nascida para a intimidade. Se
sair ao sol, à chuva, ao olhar dos outros, derrete, definha, desaparece. Tem
coisa que nasce, cresce e fica para sempre dentro da gente, no infinito espaço
íntimo de um mundo para dois.
A
olhos nus, despimos nossos corpos entre quatro paredes de discrição e
resguardo. Aqui, aquecidos em nossos fogos, dividimos nossas riquezas
escondidas, entregamos nossos mistérios um ao outro. E assim, sem que ninguém nos
ouça e nem nos veja, colhemos juntos toda a ternura do mundo.
Nossa
disposição generosa para o amor merece o conforto silencioso das horas mudas.
Deixa cá entre nós. Conta pra ninguém, não. O que nos é mais caro ninguém há de
saber. Nosso tesouro mais valioso, nosso segredo irrevelável, nosso tempo e
espaço invioláveis.
Vem.
Entra, fica. Em nosso canto suspenso, repletos de alegria e pudor, guardaremos
instantes de graça infinita aqui dentro. Por nada, não. Nada senão a sorte de
preservar-nos em nossa riqueza de bichos simples, discretos, inteiros, amantes.
Via: Caminhos