Temos
todo o tempo do mundo para terminar o namoro ou o casamento, antes de embarcar
em aventuras, antes de nos entregarmos a um novo alguém. Covardia mentir,
brincar com sentimentos, deixar alguém à espera do que você já está oferecendo
a outra pessoa...
É
muito comum as pessoas dizerem que fulano pediu para ser traído, que cicrano
deve ser um chato para ter sido enganado, ou que beltrano traiu a esposa que
era fria e distante. De uma forma inversa, portanto, tentam culpabilizar a
vítima pelo que lhe fizeram, como se sua humilhação já não fosse o bastante,
como se a sua dor tivesse alguma razão de ser.
Ainda
que a pessoa seja chata, feia, quieta, explosiva, intriguenta, fofoqueira, como
costumam ser qualificados os traídos da vida, nem ela nem ninguém merece ser
enganado, pois entregar o seu melhor em troca de decepção e dor é por demais
aviltante – a traição avassala os sentidos e deixa feridas cuja cicatrização é
dolorosamente demorada e, muitas vezes, irrecuperável.
Ao
trair uma pessoa, estamos lhe retirando qualquer traço de dignidade,
isentando-a de qualquer resquício de humanidade, desconsiderando-a como alguém
por quem valha a pena ter um mínimo de consideração, um ser desprezível. Trair
quem nos ama é egoísmo, é ausência de caráter, é ingratidão para com a entrega
alheia.
Ser
traído é humilhação, decepção, é impotência. A lógica distorcida que permeia a
infidelidade é tão desumana, que retira da pessoa traída sua lucidez e senso de
percepção dos fatos, uma vez que ela é levada a procurar em si mesma os motivos
causadores de sua dor, chegando ao absurdo de se perguntar onde errou, o que
poderia ter feito para evitar ser traída, o que fez para que o companheiro
procurasse outra pessoa.
Esquece-se,
nesse redemoinho de indagações, de que nada é cabível, tampouco justificável,
em se tratando de traição, pois a infidelidade é pessoal e intransferível;
trata-se de uma atitude que depende apenas de cada um – ninguém pede para ser
traído nem age deliberadamente para tal, como muitos costumam apregoar.
Temos
todo o tempo do mundo para terminar o namoro ou o casamento, antes de embarcar
em aventuras, antes de beijarmos outras bocas, antes de nos entregarmos a um
novo alguém. Covardia desmedida mentir, brincar com sentimentos, deixar alguém
à espera do que você já está oferecendo a outra pessoa, tolher do outro a busca
por alguém que o ame, iludindo-o e encenando hipocritamente uma vida de
fantasia.
Ainda
que a infidelidade masculina seja incoerentemente julgada com mais
condescendência do que a feminina em nossa sociedade e, por essa razão, talvez
o homem, quando traído, atribua integralmente à mulher a culpa com mais
facilidade, tanto um quanto o outro sofrem e amargam o desmoronar abrupto de
expectativas, sonhos e esperanças que a infidelidade provoca.
Ademais,
temos um dever moral com a pessoa com quem já construímos uma vida, o dever da
verdade, de dizer que o amor acabou, que o desejo se foi, que a paciência
esgotou, por mais doloroso que isso seja, pois nada pode doer mais do que ser
enganado.
A
vida a dois não é nem nunca foi fácil, pois requer paciência, troca, renúncia e
persistência. Infelizmente, esse dia-a-dia atribulado e célere a que nos
entregamos tende a nos esgotar as forças, impedindo-nos de investir na
renovação de nossa cumplicidade com o companheiro, ao fim do dia – e o amor,
não encontrando mais conforto onde repousar, deixa então de sê-lo.
É
fato que o para sempre pode, sim, acabar, que nossa felicidade talvez não se
encontre junto às primeiras paixões, que as expectativas que criamos nem sempre
se realizam e que temos o direito de correr atrás de nossos sonhos com ética e
distantes de quem nos dificulta esse viver.
Porém,
é necessário sair de uma vida com dignidade, transparência e sinceridade, antes
de entrar em outra, porque não estamos sozinhos, nem solteiros, até que o outro
saiba disso. Uma coisa é certa: jamais seremos felizes enquanto não houver
verdade, seja ao lado de quem for.
Via: Conti Outra