Ele
é bonito, viajado, fala várias línguas, se veste bem e é extremamente educado –
sempre segura a porta para as mulheres passarem, puxa a cadeira, abre a porta
do carro. Entende de vinhos, música erudita, literatura, teatro.
Não
é rico, mas tem uma vida econômica estável e cercada de pequenos luxos.
Seu
humor é irônico, ácido. É incapaz de cometer uma indelicadeza com quem quer que
seja, porém, é mordaz com quem possui intimidade – criticando roupas e o modo
de andar e de falar dos que julga menos polidos do que ele.
Gosta
de presentear, gosta de partilhar seu conhecimento: “leia o livro x”, “escute a
música y”, “vá ao teatro z”.
Detesta
seu país. Por ter vivido em Paris acredita que seus conterrâneos são atrasados,
mal-educados, malvestidos e incautos – sempre que pode, numa reunião entre
amigos, desmerece a cultura de seu país com frases do tipo “aqui os atores representam tão mal”.
E
por ostentar uma altivez tamanha e sugerir (ainda que tacitamente) que possui
algo que os demais não possuem, é extremamente sedutor – afinal a paixão é a
crença de que o outro tem o que nos falta.
Trata-se
de um hedonista que vivencia plenamente os prazeres que a vida pode
proporcionar – do luxo e do requinte de uma boa mesa à uma cama com lençóis de seda
e uma bela dama sobre ela.
Ostenta
a melancolia chique dos que fingem que, por saberem que nada sabem, não passam
de reles miseráveis.
Quando
(supostamente) apaixonado, escreve mensagens matinais como: “Que outros desejem a fortuna, a glória, as
honras, eu desejo-te a ti. Só a ti, minha pomba, porque tu és o único laço que
me prende à vida, e se amanhã perdesse o teu amor, juro-te que punha um termo,
com uma boa bala, a esta existência inútil”.
E
faz promessas ardentes e enlouquecidas de paixão como: “Quando estou ao pé de ti sinto-me tão feliz; parece-me tudo tão bom...
Queres que fujamos? Foge comigo, vem, levo-te! Vamos para o fim do mundo”.
À
medida que a relação progride e um certo grau de intimidade é estabelecido, ele
passa a criticar paulatinamente o objeto de sua ‘paixão’: “não use esse tipo de sapato”, “aprenda
a tocar tal música no piano”, “fale
baixo”, “não acredito que você nunca
leu esse livro?!”, “você é infantil”,
“solte esse cabelo”.
E
quando a dama finalmente se entrega, aceita os seus apelos e faz as malas para
viver com ele, ele fica irritadiço, diz que as coisas não podem ser feitas de
modo tão precipitado; diz que está trabalhando demais e que em breve terá que
viajar para o exterior a negócios, e... desaparece.
Não,
cara amiga leitora, ele não é o canalha que partiu o seu coração. Ele é
Basílio, personagem de Eça de Queiroz do livro ‘O Primo Basílio’ (Editora
Record), que levou sua prima Luísa, de vinte e poucos anos, à ruína.
Publicado
em 1878, o romance deveria ser leitura obrigatória para todas as meninas em
fase de formação. Não apenas porque a narrativa é pungente e questiona os
valores das famílias ditas tradicionais, tampouco por tratar-se de um grande
clássico, com personagens riquíssimos; nem por nos prender à sua narrativa do
começo ao fim das 266 páginas; mas porque, para além da chantagem que Luísa – a
prima que se apaixona pelo primo galanteador – sofre de sua criada invejosa
Juliana (que descobre a traição da patroa, casada com Jorge), podemos entender
a lógica DESSE TIPO de homem:
“Não lhe faltava mais nada senão
partir para Paris com aquele trambolhozinho! Trazer uma pessoa, havia sete
anos, a sua vida tão arranjadinha, e patatrás! Embrulhar tudo, porque à menina
lhe apanharam a carta de namoro e tem medo do esposo! Ora, o descaro! No fim,
toda aquela aventura desde o começo fora um erro! Tinha sido uma ideia de
burguês inflamado ir desinquietar a prima da Pratiarcal. Viera a Lisboa para os
seus negócios; era tratá-los, aturar o calor e o boeuf à la mode do Hotel
Central, tomar o paquete e mandar a pátria ao inferno – e ele, burro, ficara
ali a torrar em Lisboa, a gastar uma fortuna em tipoias para o Largo de Santa
Bárbara para quê? Para uma daquelas! Antes ter trazido a Aphonsine! Que
verdade, verdade, enquanto estivesse em Lisboa o romance era agradável, muito
excitante; porque era muito completo! Havia o adulteriozinho, o incestozinho.
Mas aquele episódio agora estragava tudo! Não, realmente, o mais razoável era
safar-se”!
Imagino
que se eu tivesse lido a obra de Eça de Queiroz aos dezesseis anos teria
poupado muitas lágrimas inúteis em minha vida e teria pensado algumas vezes
antes de me jogar de cabeça em certas relações com janotas como Basílio. Talvez
nunca tivesse pensado, como Luísa:
“As qualidades de Basílio
apareciam-lhe então magníficas e abundantes como os atributos de um Deus. E
estava apaixonado por ela! E queria vir viver ao lado dela! O amor daquele
homem, que tinha esgotado tantas sensações, abandonado de certo tantas
mulheres, parecia-lhe como a afirmação gloriosa de sua beleza e da
irresistibilidade da sua sedução. A alegria que lhe dava aquele culto
trazia-lhe o receio de o perder. Não o queria ver diminuindo; queria-o sempre
presente, crescendo, balançando sem cessar diante dela, o murmúrio lânguido das
ternuras humildes”.
A
pomba Luísa teve um final trágico – aliás, o final do livro é arrebatador –,
porém não senti pena dela. Afinal, não passava de uma mocinha que vivia numa
província, em 1878, que nada sabia da vida. Senti pena de nós, mulheres ditas
modernas, que vivem sua sexualidade livremente, trabalham, têm acesso à
informação, grau universitário; mulheres viajadas, inteligentes, cultas,
independentes, que sabem se vestir, falam várias línguas, comandam empresas,
escrevem romances, mas que ainda, sim, caem nessa pantomima.
Via: Conti Outra