Essa
semana uma grande amiga perdeu o marido. Aquela manhã parecia ser o início de
mais um dia comum, eu fazia abdominais no chão da academia quando uma mensagem
no meu celular trouxe a triste notícia. Pegamos a estrada e fui ficar ao lado
dela. Porém, não havia palavras que estancassem o desamparo, não havia presença
que camuflasse a solidão, não havia argumentos que dissipassem a dor.
No
final da tarde, quando me despedi dela, percebi que se preparava para as horas
mais difíceis. Ter que encarar a vida, tal qual como ela é, sem uma parte de si
mesma. Ter que confrontar a realidade e encontrar palavras para contar à filha
de dois anos o que tinha acontecido. Ter que encarar a hora de se recolher e
enfrentar a aridez da ausência e da amarga imprevisibilidade da vida.
Certas
coisas são inevitáveis nesta vida, e a morte é uma delas. A morte nos mostra
que ‘somos finos como papel’ (como recitou Bukowski), e que em algum momento de
nossas vidas sentiremos desamparo, tristeza e solidão. Mas não precisamos
antecipar o fim. Apenas entender que é urgente amar mais, despertar mais
alegria ao nosso redor, dissipar cobranças desnecessárias e controles
irrelevantes, perdoar quem nos feriu e zerar as mágoas com nossa história.
Diante
da vida e de seus caminhos tortos, é comum não compreender. E é essa
incompreensão que nos torna humanos. É essa incapacidade de encontrar sentido
no sofrimento que nos torna semelhantes.
Todos
nós somos assim. Todos nós atravessamos desertos e sentimos desamparo uma vez
ou outra. Porém, algumas pessoas carregam fardos maiores. Algumas pessoas são
desafiadas a enfrentar estiagens persistentes e tempestades abundantes. Minha
amiga é uma dessas pessoas. O marido não foi a primeira de suas perdas, e ela
luta para não enrijecer. Luta para não deixar de lado a delicadeza e a
gentileza com a vida. Luta para continuar inteira ainda que lhe faltem pedaços.
Tem muito a me ensinar, eu que ainda estou a engatinhar.
O
sofrimento traz muitos ensinamentos, mas também leva um pouco da nossa
vitalidade. É preciso cuidado para que nosso caminho permaneça florido apesar
de todos os espinhos. Para que a fé em Deus e em seus propósitos não seja
colocada à prova. Para que a gente não se blinde demais, mas siga acreditando
que em algum momento será capaz de sorrir de novo.
Naquela
tarde triste, uma música foi cantada. A letra é conhecida e diz assim: “Se as águas do mar da vida quiserem te
afogar, segura nas mãos de Deus e vai... Não temas, segue adiante, não olhes
para trás; segura nas mãos de Deus e vai...”. Talvez essa música resuma
tudo. Deus dá, Deus tira. Não temos controle nem compreensão, e diante do
inevitável tem que permanecer a confiança. A capacidade de conseguir entregar o
restante de nosso caminho a Deus, mesmo que a vida nos tenha feito em cacos.
Há
momentos em que viver dói. Dói pela descoberta de nossa insignificância e
impotência. Dói por descobrirmos, não sem uma ponta de decepção, que não
controlamos nada. Dói por constatarmos que perdemos tempo travando batalhas
diárias em busca de dinheiro, posição social, status, reconhecimento,
popularidade. Dói por compreendermos que mais cedo ou mais tarde a vida acabará
por desfazer a ilusão de que podemos prever ou controlar tudo.
Mas
essa descoberta também nos faz crescer. Faz com que a gente valorize o chão que
pisa e reconheça o que é essencial. Faz com que a gente sofra menos por coisas
miúdas e não dê tanta importância à unha quebrada, roupa que não combina ou
crush que não liga.
Queria
dizer à minha amiga que ela é especial. Que, de alguma forma que nosso raciocínio
humano não é capaz de entender, ela precisava estar ao lado dessas pessoas que
se despediram da vida ao lado dela. Que somente uma pessoa como ela seria capaz
de doar um pouco de paz e serenidade àqueles que tinham que partir. Que de vez
em quando servimos de instrumento para a ação de Deus, e mesmo sofrendo muito,
somos convidados a abraçar a dor e transformá-la em amor.
“Somos finos como papel”. Num instante, tudo muda. Não
temos tanto tempo. A vida não é eterna. Nunca estamos prontos. A vida é um soluço
entre o nascer e o morrer. É preciso amar mais. É preciso dizer às pessoas que
as ama. É preciso fazer a diferença. Ser gentil. Ser generoso. Não acumular
culpas. Perdoar. Valorizar. Não sofrer à toa. Perceber que não há tempo certo
para ser feliz. O agora nos chama. O hoje é aqui. O tempo é curto. O tempo
passa depressa, e mais do que o tempo, nós passamos depressa...