O
problema é que quase todo mundo tem medo de admitir que a gente era mais feliz
quando podia comer o nosso pão com manteiga em paz, o nosso cafezinho com
açúcar.
Andando
pelas ruas da cidade, acessando os sites da internet ou pegando de relance uma
fala de programa de variedades na TV, os assuntos são basicamente os mesmos,
além das tradicionais amenidades e escândalos políticos: pão sem glúten, café
sem cafeína, cerveja sem álcool, cigarro eletrônico, beijo sem romance, sexo
sem amor, bate papo sem contato visual...
Sinto
saudade do tempo em que a gente comia fritura sem culpa e o pessoal podia fumar
o seu cigarro sem se sentir um criminoso. Ok.Ok.Ok. Aquele lance de poder fumar
em restaurante era muito chato. Muito chato mesmo. Era muito ruim comer com
fumaça de cigarro. Por outro lado, hoje em dia nem mesmo na rua os fumantes
ficam em paz. Sempre tem alguém fazendo cara feia, fingindo tosse, criando todo
um auê porque o outro optou por um estilo de vida não saudável. Sim, ninguém
vai adquirir um câncer por passar 5 segundos perto de um fumante ao caminhar
numa calçada.
Mas
as pessoas se esquecem que a vida é cancerígena. Sim, a vida é cancerígena com
seus desencontros, decepções e auto enganos. Com ou sem fumo, com ou sem
gordura trans, com ou sem glúten, todos iremos para o mesmo lugar: para o
cemitério. A bonitinha fitness vai ter as carnes apodrecidas como a gordinha
que come a sua coxinha feliz da vida. Ok.Ok.Ok mais uma vez. Não defendo que a
gente deva entupir as veias com gordura, jogando o colesterol na lua. Não
defendo o hábito de fumar nem de encher a cara. Também não tenho nada contra
uma boa salada e uma caminhada pela manhã.
O
drama está no radicalismo, na intolerância, na crença ingênua de que seremos
salvos pela alface, pela academia, pelo pão sem glúten. Se uma vida saudável
evita doenças graves e pode garantir mais alguns anos de existência, por outro
lado, uma vida saudável apenas no sentido físico, pode ser chata, mas muito
chata mesmo para algumas pessoas... ou para muitas... ou para a maioria. O
problema é que quase todo mundo tem medo de admitir que a gente era mais feliz
quando podia comer o nosso pão com manteiga em paz, o nosso cafezinho com
açúcar.
O
problema é que o conhecimento que deveria nos libertar, está nos transformando
em paranoicos. Pior do que isso: em gente chata, sem prazer. Sim, não há nada
mais broxante do que gente chata.
Sim,
sinto saudade do tempo em que a gente não falava de câncer e colesterol e
triglicérides o tempo todo. Sinto saudade do tempo em que comida era comida e
não medicamento ou veneno. Sinto saudade da ignorância feliz, quando a gente
não sabia que tudo era cancerígeno. Que tudo entope as veias, que tudo cria
algum tipo de desgraça para o nosso organismo.
Sinto
saudade do tempo em que a gente sonhava em se apaixonar para valer, ficar que
nem bobo, de quatro, idealizando um beijo, pensando na pessoa amada antes de dormir
para poder sonhar com ela.
Sinto
saudade do tempo em que namorar por amor não era considerado cafona e os pais
de família não eram vistos como alcoólatras por tomarem uma cervejinha
juntamente com o feijão gordo.
Sinto
saudade do cheiro de comida caseira, do bolo assando. Dos diários cheios de
confidências de amor louco. Da molecada se reunindo no shopping para ver um
filme e depois comer um sanduba. Do tempo em que ver a selfie da vizinha não
era o melhor passatempo. Em que as pessoas se reuniam para ver o Super Cine ou
o último capítulo de uma novela famosa. Acho triste reduzir os filmes e a vida à
pequena tela do smartphone...
Via: Obvious