Pode
chegar, mas só se for para me arrancar o riso. Não é preguiça do contrário,
nada disso, é que já estou velha para amores difíceis. Quero uma tarde
ensolarada no parque, o chimarrão com chazinho de hortelã e você tranquila
deitada em meu colo enquanto o tempo não passa.
Venha
logo, mas não tenha pressa em partir. Os ciclos se fecham na hora certa, não
queira adiantar a partida com minimalismos desnecessários, como um ciúme
exagerado ou birras que nada mais fazem do que desgastar o carinho.
Fale
sobre seus sentimentos, não guarde suas indignações. Se você engolir tudo não
vai fugir da gastrite emocional, a pior e mais dolorida delas. Fale, mas com
afeto. Acusações e culpas nunca resolveram nada.
O
amor é generoso e pode ajustar os ponteiros quando necessário. Somos mecânicos
do coração, só que ainda não compreendemos a força disso. Não é porque o
relógio está fraco que vou logo trocar por um novo. Eu sempre acredito que
talvez seja apenas hora de recarregar a bateria.
Pode
segurar minha mão na cena pavorosa daquele filme de terror que você já assistiu
mil vezes. Me conta sobre sua infância, sua família, sua cor preferida, quantas
colheres de açúcar fazem o seu café predileto?
Quero
saber do que você tem medo, o seu maior segredo e tudo o que já fez você perder
as estribeiras. Me fala sobre as saudades que sente, sobre as alegrias que já
lhe deixaram contente. Quero o manual completo para que possa enxergar o seu
melhor em qualquer circunstância.
Deixa
eu contar da minha vida, dos meus caminhos mais tortos e de como estou feliz
com a sua chegada. Senta, amor, essa conversa será longa. Deixa eu lhe dizer o
que passei e como sou forte por chegar até aqui.
Respeite
minha história, pois a sua é sagrada pra mim. O que vamos construir a partir
daqui não vai apagar o passado, não tenha problemas com o passado. Esse tipo de
sentimento já acabou com os amores mais bonitos que conheci.
Não
importa quem esteve aqui antes de você, nem nada que se relacione com o que
passou. O passado não deve oferecer risco algum, entenda isso. Se não for assim
é porque ainda não se tornou passado.
Pode
chegar, amor. Arrumei a casa, troquei a roupa de cama, mudei os quadros de
lugar. Já recolhi o pó que o tempo deixou nas mobílias antigas. Está tudo
pronto esperando você entrar.
Não
bata na porta, amor, pois já estou a lhe esperar faz tanto tempo. Pega forte
minha mão como quem reencontra o caminho de casa. Quero brindar esse encontro
com aquele vinho chileno esquecido atrás do armário da cozinha.
Bem-vindo,
amor. Já estava em hora de florescer os sentidos. Feche os olhos, se aproxime
para sentir o aconchego dos meus braços. Esse abraço que andava guardado – e se
abriu inteiro iluminado, estava apenas esperando o encaixe perfeito.
Pode
chegar, mas só se for para desfazer as malas, para molhar as plantinhas, para
perder a linha. Chegue sem gritos, sem rédeas, sem medo de fazer o ninho.
Chegue feito passarinho que encontrou companhia para uma longa (e infinita)
temporada.