Luíza
é o seu nome. A dor que sente não tem nome. Brota das razões mais secretas da
alma. Coisa de mãe, coisa de gente que soube recriar o mundo a partir do
próprio ventre. A maternidade coloca as mulheres numa parceria invejável com
Deus!
Luíza
contou-me rapidamente sobre sua dor. Eu não pude ver os seus olhos, mas pude
escutar sua alma.
O
seu filho de 30 anos, médico, oficial da marinha estava morto. Vítima de uma
fatalidade, perdeu a vida ao atravessar um cruzamento em Florianópolis.
Depois
que ouvi Luíza eu fiquei pensando nos mistérios das perguntas que nos rondam,
toda vez que a dor vem nos visitar.
Fiquei
tentando entender o quanto deve ser difícil para uma mulher ter que
protagonizar a imagem da Pietá, a virgem que segura o filho morto nos braços,
aos pés do calvário.
Recolher
o filho do chão, aconchegá-lo ao colo e despedir-se dele definitivamente.
A
crueza da cena é uma proposta ao silêncio. Arranca-me do mundo das palavras,
das respostas prontas e faz-me sentar ao chão, ao lado da mãe, para que eu
possa ouvir sua respiração ofegante de dor.
Arranca-me
dos meus livros, da minha Teologia sistematizada e convida-me a sujar-me na
terra do calvário, onde o sangue do filho mistura-se às lágrimas da mãe.
Mistura
diferente daquela que o trouxe à vida, quando o seu sangue circulava dependente
do sangue da sua primeira mulher.
Lágrimas
diferentes de tantas outras já derramadas. Lágrimas de alegria por ver o filho
dar os primeiros passos; lágrimas de preocupação em noites em que ele demorava
voltar pra casa. Lágrimas de vitória, quando em noite especial e de gala,
aquele garoto crescido, que até tão pouco tempo lhe confiava os joelhos
esfolados de futebol, de quedas de bicicleta, agora estava pronto para medicar
as dores do mundo.
Um
filho especial, como ela mesma me confiara.
Luíza
e sua dor. Luíza e suas saudades. Luíza e suas lições.
Fiquei
pensando nas minhas pequenas reclamações. Nos cansaços diários que me desiludem
e que me despregam da alegria. Pensei no coração de Luíza e quis deixar de reclamar
da vida.
O
meu sofrimento perde a sua força quando eu o coloco ao lado dessa mulher. E
nisso já está a ressurreição do seu filho. Esta dor nos ensina e nos coloca no
rumo da sabedoria. Da mesma forma que Maria nos aponta para o sofrimento de
Jesus, para que entendamos o nosso sofrimento.
Maria
e Luíza são mulheres parecidas nesta hora. Ambas embalaram o filho morto nos
braços. Canções de ninar secretas foram entoadas nos silêncios dos lábios. O
choro de mãe é oração que tem o poder de mudar o mundo. Só precisamos parar
para ouvir...
Hoje,
no silêncio de sua dor, pare pra pensar no sofrimento de Luíza. Exercite-se na
proeza de esquecer o que lhe aflige, e recorde-se dessa mulher que
desconhecemos o rosto, mas conhecemos a dor. Ela tem muito a nos ensinar. Ela é
um livro que pode ser lido sem palavras. Ela é um testemunho vivo de que na
vida, mesmo nas perguntas mais doídas, há sempre uma esquina que pode nos dar
outras opções, além da morte.
Na
prece silenciosa que essa mãe nos desperta, permaneçamos.
Amém.
Padre
Fábio de Melo