Concebido em abuso sexual, separado do irmão gêmeo e indicado ao prêmio de gol mais bonito do mundo.
A
trajetória arrepiante de Marlone e Marlos, irmãos gêmeos e amigos que só se
conheceram aos 12 anos, mas já nasceram derrotando o impossível!
Os
gêmeos Marlone e Marlos vieram à luz em abril de 1992, quando sua mãe, Deusa,
tinha apenas 13 anos de idade, na remota região do norte do Tocantins cujo
formato no mapa lhe valeu o apelido de ‘Bico do Papagaio’.
O
próprio Marlos, que hoje prefere ser chamado de Marlon, resume a continuação da
cena, quando, ainda na maternidade da pequena Augustinópolis, Deusa resolveu
entregar os dois bebês a quem pudesse adotá-los:
“Uma pessoa de 13 anos não
entende as coisas direito. Ainda mais no interior, do jeito que as coisas
costumam ser, infelizmente. A gravidez veio após abuso sexual do meu pai
biológico. Quase morremos nós três na hora do parto. Minha mãe teve hemorragia,
foi uma gravidez muito difícil por tudo que ela passou, né? Sofremos um bocado,
mas, graças a Deus, estamos aqui para contar a história”.
Seu
irmão Marlone acrescentou mais informações dolorosas ao relato durante uma entrevista
de 2015 à rede ESPN:
“Ela não sentia aquele desejo de
ser mãe, até pela forma como foi. Tem trauma até hoje... Ela não gosta de ver
nem eu e nem Marlon... De repente, até com medo de o amor voltar... Ela sempre
mantém distância”.
Naqueles
dias dramáticos em Augustinópolis, Marlone não tardou a ser adotado pela
família de Jaldo e Eunice. Ainda é Marlon quem conta: “Ele nasceu pesando 2,3kg. Eu, 1,7kg. Eles viram o bebezinho mais
gordinho e escolheram ele”.
Enquanto
Marlone era levado ao novo lar, ali mesmo, em Augustinópolis, Marlon acabou
ficando com a família biológica para ser criado pelos avós – e se mudou com
eles para o interior do Piauí. Com o passar do tempo, os irmãozinhos gêmeos ficaram
sabendo da existência um do outro, mas passaram todo o resto da infância sem
jamais voltarem a se ver.
A
renda fixa do pai adotivo, servidor público, permitiu que Marlone entrasse numa
escolinha de futebol. Já Marlon tinha de se contentar com as peladas nas
várzeas do Piauí e, anos depois, observa: “Ninguém
da família joga futebol. Nem nosso pai biológico, nem nosso avô, que eu chamo
de pai. Parece que está mesmo no sangue meu e de Marlone”.
O
acidentado caminho dos irmãos só começou a rumar para o reencontro em 2004,
durante uma breve visita que Marlon fez a uma tia em Augustinópolis (aliás, por
falar em rumos e caminhos, essa tia era irmã de Deusa e tinha se casado com
ninguém menos que o pai biológico dos gêmeos, aquele mesmo que teria abusado de
Deusa e dado início a tantos desencontros).
Foi
em 2004 que um amigo de Marlone viu, num ponto de ônibus lá de Augustinópolis,
o menino de pele clara e cabelos loiros que esperava. E ficou de boca aberta: “Marlone sempre falava de um tal gêmeo que
morava longe, mas ninguém nunca tinha visto esse irmão ‘imaginário’ e aquela
história já tinha virado motivo de chacota”. E foi lá mesmo, naquele ponto
de ônibus, que Marlon e Marlone se abraçaram chorando e rindo pela primeira vez
desde que a vida os separara na maternidade, já se iam longos e dolorosos doze
anos!
Era
feriado de Semana Santa. Marlon desistiu de visitar a tia. Ficou aqueles dias
na casa dos pais adotivos do seu irmão. E queria ficar de vez, com o
consentimento das duas famílias. Só que, num discurso antes do almoço no
domingo de Páscoa, a mãe adotiva de Marlone mencionou a família de Marlon e...
“Rapaz, nessa hora, quando
citaram o nome da minha avó no discurso do almoço, eu desabei de chorar e falei
que queria voltar para o Piauí. Foi triste demais. Eu podia ter ficado, mas
também não podia ter deixado minha avó lá no Piauí”, relembra o próprio Marlon.
E
os caminhos dos irmãos se separaram mais uma vez.
O
menino do Piauí só voltaria a saber do irmão quatro anos depois, quando o
menino do Tocantins já estava no Rio de Janeiro e tinha se tornado jogador do
Vasco. A notícia surpreendente se transformou logo em decisão de vida para
Marlon também, que, de novo, aguentando as saudades, tomou a estrada e voltou
para Augustinópolis:
“Passei um ano e meio treinando
fundamentos, porque eu não tinha a mesma base que meu irmão. E aos 18 anos fui
para o Rio morar com ele”.
Marlon
passou pela base do Olaria e depois defendeu o Madureira. Em Minas, jogou no
Boa Esporte e depois se transferiu para o Gama, no Distrito Federal, como uma
das principais contratações do clube. Conforme um estudo da Universidade de
Minnesota que demonstrou que gêmeos idênticos têm o mesmo potencial e
inteligência, ele pode muito bem chegar, apesar do seu percurso mais
acidentado, aonde o irmão chegou: Marlone foi jogador do Vasco, do Cruzeiro, do
Fluminense, do Sport e do Corinthians e chegou a ser um dos 10 indicados ao
Prêmio Puskás, da FIFA, que elege o gol mais bonito do ano. Por um gol marcado
no jogo Corinthians x Cobresal pela Taça Libertadores da América de 2016,
Marlone concorreu com atletas que disputam nada menos que o título de melhor
jogador de futebol do mundo: Neymar e Messi.
Quem
acabou levando o prêmio, no entanto, foi o malaio Mohd Faiz Subri, que atua no
Penang FA. Em fevereiro, durante o Campeonato Malaio, Mohd cobrou uma falta
que, com muito efeito, terminou no ângulo, deixando o goleiro do adversário
Pahang sem conseguir fazer nada.
Não
foi desta vez. Mas o caminho de Marlone e Marlon não é de se deixar travar por
qualquer impedimento. Eles já estão prontos para a próxima conquista, unidos
como irmãos e como amigos que já nasceram derrotando o impossível.
Via: Aleteia