Pensar
que um dia tive uma família completa, dinheiro e felicidade, só contribui para
aumentar o buraco que hoje carrego no peito. A dor chega a ser tão insuportável
que por não ter mais forças, estou contando com a ajuda de um assistente para
redigir essas palavras melancólicas.
Qualquer
expressão, por mais tocante que seja, será inútil para tentar descrever o
estrago que tu causaste na minha humilde vida. Por que me abandonaste aqui? Por
que não me dá a chance de desfrutar dos últimos suspiros da velhice ao teu
lado?
Tudo
isso machuca muito. Meus fios de cabelo branco já não aguentam mais. Faça valer
a educação dada por mim e pela sua mãe. Falando nela, minha alma chora de tanta
saudade. Foi quando ela se despediu desse mundo que o meu pesadelo começou.
Lembra
de como éramos felizes? Não passávamos nenhum aniversário longe um do outro,
almoçávamos todos juntos, celebrávamos a Páscoa, o Natal... Se ela não tivesse
nos deixado, talvez você não tivesse desistido de mim. A morte é uma inimiga
perversa e eu não venci a batalha contra ela. Depois vieram os meus problemas
de saúde, de coordenação motora, de memória, me tornei agressivo, chato,
amargurado. Reconheço que a convivência comigo se tornou difícil, mas me abandonar
foi uma atitude radical.
No
início, enfrentei muitos desafios aqui. Eu me sentia frustrado por não ser
capaz de tomar uma sopa sem sujar minha roupa, por não conseguir gravar os
nomes dos assistentes, por não ter forças para tomar um banho sozinho e o pior
de tudo, por voltar a usar fraldas como um bebê.
O
tempo passou, meu filho. E como passou... Agora, dê-me a oportunidade de ser
livre outra vez. Eu te imploro que venha me buscar e saiba que apesar de tudo
que aconteceu você tem o meu perdão.