Falamos
que o amor deixa marcas feias, cicatrizes doloridas, que voltam a sangrar
quando tocamos nelas com força, de forma descuidada. Não, não é o amor que
deixa cicatrizes na pele da nossa alma. É o contrário. O amor fecha cicatrizes,
clareia marcas, seca feridas.
O
que nos machuca é o desamor. É o amor unilateral ou o amor forjado. O que
machuca é a incompreensão, a falta de sintonia, é conviver com quem não nos
aprecia, com quem não está realmente conectado ao nosso coração, com quem nos
olha, mas não nos enxerga.
Infelizmente,
no afã de fugir da solidão, os pares mais desajustados se formam. Na ânsia de
encontrar alguém, muitas pessoas acabam aceitando se relacionar com parceiros
muito diferentes. Na ânsia de ter alguém, as pessoas perdem a si mesmas em
relacionamentos vazios, sem poesia, sem química, sem brilho no olhar, sem fogo
na alma, sem gosto de quero mais.
Algumas
relações se deterioram com o tempo. Grandes paixões se revertem em cinzas
depois de um tempo de convivência e a descoberta de muitas incompatibilidades.
Outras relações já nascem mortas, já nascem frias, sem esperança, uma tentativa
desesperada de dizer a si mesmo e aos outros que não se está mais só.
Culpamos
o amor pelas nossas lembranças tristes, por nossas experiências malogradas. Mas
se vivemos tantas experiências desastrosas e se acumulamos um mosaico de
relações que nos enchem de tristeza e vergonha é porque ainda temos dificuldade
para reconhecer o amor. Ainda confundimos amor com carência, amor com
necessidade de se auto afirmar, amor com necessidade de dar uma satisfação à
sociedade, amor com desejo sexual puro e simples. Ainda nos falta coragem,
resiliência para nos guardarmos para o amor, para esperarmos por ele e o
agarrarmos com unhas e dentes quando ele aparecer à nossa frente, louco para
ser vivido até as últimas consequências.
Obviamente,
o desejo sexual é muito importante em uma relação amorosa. Porém, se a atração
física for a única compatibilidade entre um casal, a relação se deteriora em um
tempo curtíssimo e aquilo que despertava desejo se reverte em ironia, desprezo
ou em indiferença.
Sim,
o que deixa cicatrizes é o desamor. É a incapacidade de se entregar ao
parceiro. É a incapacidade de aceitar e querer bem ao parceiro independente dos
seus defeitos, das suas lacunas. O que deixa cicatrizes é conviver com quem não
está no nosso coração ou quem não nos tem em seu coração.
Quando
amamos de verdade uma pessoa e também somos realmente amados, vale a pena
qualquer tipo de sacrifício para ajustar a relação, para torná-la o mais
confortável e feliz para ambas as partes. Quando não existe, o melhor que se
faz é cada um seguir o seu caminho, por mais doloroso que seja admitir para si
mesmo e para os outros que aquela relação na verdade nunca foi uma relação ou
que foi no começo e deixou de ser. Por mais doloroso que seja aceitar que
convivemos com alguém que estava apenas compartilhando a sua solidão conosco.
Via: Obvious