Certa
vez assisti à entrevista de um psiquiatra, que afirmava que deveríamos
considerar natural, quando não conseguimos amar alguém de nossa família: uma
mãe, um pai, um irmão ou ainda um filho ou uma filha. Na época, eu era jovem demais
para absorver o assunto.
Na
prática, passamos a vida buscando o amor e aceitação de nossos pais, ainda que
de forma inconsciente. São essas pessoas, as que mais exercem influência sobre
nós: em como nos relacionamos com o mundo, com os nossos cônjuges, em nossas
vidas profissionais, com nossos filhos e com o que somos. A autoestima,
segurança e força reside diretamente na relação que possuímos com nossos pais.
E a partir daí se reflete em todas as outras relações: com nossos filhos,
amigos, colegas e até com os desconhecidos.
Somos
todos, metade pai e metade mãe. Geneticamente recebemos suas características
físicas, intelectuais e até mesmo neurológicas. Independentemente de ter havido
convivência ou não, a forma de pensar de uma pessoa pode ser quase igual a de
seu pai ou de sua mãe. A estrutura de pensamentos e argumentos chega a ser tão
parecida, que mesmo que nunca tenham se falado na vida, se assemelham em sua
forma de pensar e opinar sobre um determinado assunto.
É
claro que existem casos extremos de dificuldade entre pais e filhos, quando
houve agressão ou negligência de várias ordens. Nesses casos, não se pode
esperar que haja amor por parte dos filhos em relação aos seus pais, mas há de
se trabalhar o perdão e a inculpabilidade por parte desses filhos, para que
possam ter uma vida normal, sem traumas e dores que refletiriam em todas as
áreas de suas vidas. Pode não haver amor, mas nunca deve existir a negação
desses pais. Negar a existência de um pai ou uma mãe é como negar a si mesmo, o
que gera problemas profundos, ao invés de soluções. Se acentua o problema e a
dor, quando o aceitar os fatos como eles são é o que permite se seguir adiante.
Mas
mesmo em relações comuns entre pais e filhos, onde não há caso de negligência
ou abuso, também sempre haverá conflitos: diferença de ideias, personalidades e
comportamentos. Toda relação entre pais e filhos é delicada e importante. O
amor maior reside ali e por consequência toda necessidade de carinho, afeto,
compreensão e motivação. E quando qualquer dessas expectativas não é suprida, a
falta dela é sentida de forma acentuada.
Se
decepcionar com um amigo, um vizinho ou um professor da escola pode frustrar e
machucar, mas o mesmo nível de decepção com um pai ou uma mãe causa um prejuízo
mais extenso. A expectativa é sempre maior sobre nossos pais. E por isso as
frustrações em relação aos mesmos é mais intensa.
Quando
existe uma decepção entre pai e filho, sentimos o nosso eu interior ferido da
forma mais intensa possível. Tudo que percebo de ruim em meus pais, é como se
fosse em mim mesmo e por isso dói tanto. Antes se decepcionar com qualquer
pessoa do que com os pais. Daí a dificuldade de amar. Porque amamos demais e
não há como fugir deste amor. Se fugimos, criamos um sofrimento maior, que
cresce indefinidamente.
Do
ponto de vista dos pais ou dos filhos, toda dificuldade desta delicada relação
gera uma dor, que tem que ser trabalhada com amor e paciência. Sem manual de
instrução, passamos a vida trilhando os próprios caminhos para aperfeiçoar a
nossa maneira de amar e receber amor.
Nas
dores de cada um, que só nós conhecemos, somente com a maturidade da vida
aprendemos a reconhecer o quão sagrado são essas relações e sentimentos.
No
mais, toda ajuda profissional é bem-vinda. Por que amar pode doer, mas negar o
amor nos fere a alma.