O
amor pode surgir andando ao nosso lado numa tarde em que a calçada, lambida
pela chuva, fará soar como música nossos passos e os dele.
O
amor pode ir caminhando conosco, sem dizer uma palavra. Nós não lhe diremos
nada, também. E nos entenderemos como só conseguem entender-se o ser amante e o
ser amado.
O
amor pode chegar conosco a uma esquina em que, como se tivéssemos entrado na
página de um romance da década de 1950, um arco-íris se abrirá esplendidamente
sobre o par romântico, para mostrar que, se alguma vez duvidaram do que
sentiam, será hora de se beijarem sob esse cenário que o autor do livro descreve
como mágico e feérico.
O
amor pode fazer essa caminhada conosco, numa tarde de chuva. Mas pode também
ficar nos olhando de longe, enquanto, molhadíssimos, atravessamos a avenida e
corremos para a frente da padaria em que ele prometeu nos encontrar.
Estamos
no horário marcado. Do lado oposto da rua, num lugar onde não podemos vê-lo,
ele nos observa, satisfeito. Embora a pontualidade não seja seu forte, ele
sempre instigou a nossa.
Não
é a primeira vez que nos encontramos com ele aqui. Hoje seu atraso, normalmente
de dez a quinze minutos, já vai para meia hora. Mesmo sabendo que ele não gosta
disso, ligamos para o seu celular. Ele não atende.
Pensar
que ele pode ter sofrido um acidente nos arrepia. Não, nada pode ter acontecido
a ele. Nada de ruim acontece ao amor, nunca. Ele está aprontando uma pegadinha,
só pode. Seu espírito é brincalhão como o de um moleque.
Ligamos
de novo. Nada. O atraso já passa de uma hora e dez minutos. Houve um
mal-entendido, um grande mal-entendido, com certeza, e a culpa é nossa.
Resta-nos ir para casa e aguardar notícias. Mas resolvemos esperar mais cinco
minutos, depois mais cinco e mais cinco.
Quando
começamos a ir embora, o amor só lamenta uma coisa: não poder distinguir, de
onde está, se o que desliza pelo nosso rosto são lágrimas ou chuva.
Nós
vamos nos afastando. É quase indecente ter uma ideia assim, numa hora de tanta
aflição, mas agora só queremos chegar em casa e tomar um banho bem gostoso.
Pegamos o metrô. A qualquer instante o amor ligará, é claro.
Depois
do banho, ligamos. Nada, outra vez. A suspeita começa a crescer em nós. Será
que...? Não, o amor não pode ser cruel. Por que ele faria isso conosco? Nós lhe
demos por acaso algum motivo?
O
amor pensa exatamente nisso. Sente pena de nós. Sempre fomos tão dóceis com
ele, tão dóceis. Talvez esteja aí o problema. Ele não gosta de presas fáceis.
O
amor pode tudo. Pode telefonar, pode não telefonar. O amor não telefonará.