E
se aquele avião não tivesse caído? Se o pouso fosse tranquilo, os passageiros
voltassem para casa, a vida seguisse sem mais?
Se
o caminhão não perdesse o controle no asfalto molhado, não saísse de sua pista.
Se os carros na mão contrária seguissem seu percurso sem percalço e chegassem a
seu destino sem surpresa.
Se
a notícia indesejada não viesse e o amigo querido estivesse ainda aqui,
trabalhando, vivendo, pagando as contas, fazendo das suas, pensando na gente,
habitando este mundo como qualquer um de nós.
Se
a criança vingasse na barriga da mãe e hoje corresse pela casa, fazendo graça,
puxando o rabo do gato, evitando a hora de dormir.
Se
o homem bom não saísse de casa no mesmo instante em que uma alma perdida
decidiu sair por aí disparando sua arma. Se a velha senhora não atravessasse a
rua na frente de um carro apressado, chegasse ao mercado e voltasse à casa em
tempo de fazer sua sopa, cujo aroma aqueceria a alma de uma vizinha que chora
sua solidão.
Se
a tarde não tivesse acabado, a festa não tivesse passado, a manhã não findasse
tão cedo, a noite não amanhecesse tão rápido.
E
se aquela moça linda se salvasse do mal que a levou de repente, e acordasse na
cama do hospital sem entender nada, varada de fome, sob o olhar de apreensão e
ternura da família que a esperava rezando, agarrada com força à sua fé.
Sua
gente a olharia tão cheia de amor, diria “que
susto!”, mal vendo a hora de voltar todo mundo para casa, tocar a vida em
frente. E seria uma tardinha linda, de brisa mansa ventando esperança. A vida
sorrindo como criança que brinca num parquinho, girando, girando...
Dói.
E não fosse o coração da gente, generoso, aberto, abrigando tanta coisa e tanta
gente que passou, doía muito mais. Ahh... doía, sim.
Via: Revista Letra