O
menino quis saber o significado do ano novo. Tentei dizer. Busquei as frases
prontas que são tão comuns à essa época do ano, e prontamente me coloquei a
repeti-las. Percebi que ele escutava tudo o que eu dizia, mas sem muito
interesse. Ele voltou a insistir. Queria saber se haveria algum sinal que
pudesse sinalizar a mudança do ano velho para o ano novo.
Eu
fiquei desconcertado. Eu confesso que o único sinal que me ocorreu foi a famosa
queima de fogos que acontece na praia de Copacabana. Não tive coragem de dizer.
Apesar da pouca idade, o menino buscava por um significado mais profundo a
respeito do tempo. Sem muitos rodeios ele argumentou que não conseguia perceber
muito sentido nessa história de ano novo. Ele tinha uma visão prática da vida.
E sobre ela me falou. Buscou realidades simples do seu contexto e exemplificou
para que eu pudesse entender sua dúvida. O menino estava coberto de razão. Sua
visão prática era coerente, lúcida. Não há nada de novo no ano novo. O que muda
é o relógio, o calendário, mas a vida continua o seu remanso de sempre.
Foi
então que busquei extrapolar o seu discurso prático e lhe ofereci algumas
porções do meu discurso simbólico. Eu também precisava sobreviver àquela
conversa. Não queria sair dela embebido daquela praticidade que poderia ruir
minha capacidade de acreditar que existe alguma novidade à minha espera com o
romper da nova década. O menino me olhava interessado. Falei sobre o tempo e
seus ciclos. Falei da psicologia das horas.
Argumentei
que a demarcação das datas pode ter repercussão nas almas das pessoas. A
oportunidade de virar o calendário pode ter efeito positivo sobre aquele que se
sente pesado, angustiado, sem esperanças. Comparei o ano velho a uma gaveta que
precisa ser limpa. Guardamos muitas coisas desnecessárias. Chega o momento em
que precisamos fazer a triagem. É necessário limpar, jogar fora, abrir espaços
para coisas novas. Ano novo e gaveta limpa podem ter os mesmos sentidos,
sugeri. Toda vez que nós temos a sensação de um novo tempo, é natural que
nossas almas sejam invadidas por esperanças. Faz parte do processo humano
sofrer de esperanças.
A
esperança é uma espécie de instinto de sobrevivência. O cansaço dos tempos idos
pode dispor o nosso coração à possibilidade de mudanças. É como se houvesse uma
saturação. Não queremos mais o peso do passado. Precisamos de outra
oportunidade. O calendário novo nos oferece essa sensação. Ao saber que o ano
velho está sendo finalizado, é possível que você se encha de expectativas
importantes.
O
menino me olhou com carinho e agradeceu. Voltou para o seu mundo de brinquedos
e deixou-me diante da necessidade de conciliar os dois discursos. O prático e o
simbólico. Desaforo. O discurso prático parece humilhar o discurso simbólico.
Ele resolve porque é dotado de clareza. É lógico, curto, asfixiante. E foi
assim que recebi o ano novo.
Tentando
equilibrar os dois discursos dentro de mim. Vez em quando eu me recordo da
ótica do menino. Eu não a desconsidero. Ele tem razão. Se a gente não se
empenhar na construção de um novo tempo, nada acontecerá. O ano novo será
mesmice, repetição de erros, acomodação de posturas, condução medíocre de
oportunidades, explosão de fogos que oferece brilho breve, assustadoramente
fugaz. Mas não precisa ser assim. Há sempre um motivo novo abscôndito nas velhas
estruturas da condição humana. A isso chamamos de evolução, superação. O menino
me ajudou com sua ótica. Perdi o medo de ser prático na minha reflexão sobre o
tempo.
De
fato, nada mudou. Mas também não posso deixar de admitir que há um vento suave
me conduzindo para o coração do futuro. E assim eu vou. Abraçando o presente,
passando o passado, aprendendo com essa dinâmica interessante, inventada por
alguém que não sei dizer, que faz o ano velho ser novo de novo.
Padre
Fábio de Melo