A
felicidade não ocupa cenários perfeitos. Ela se faz antes, nos momentos que
vivemos e justificam nosso caminho até aqui.
Esperamos
para ser felizes – a melhor hora, a agenda mais vazia, o motivo mais sólido, um
dia em que estejamos menos cansados.
Esperamos
sem dar-nos conta que, às vezes, perdemos pelo caminho pequenos pedaços da
felicidade que procuraremos mais adiante, após realizar o último gesto que,
acreditamos, a definirá.
Hesitamos
porque não é a melhor hora, esquecendo que, talvez, seja a única hora, a última
chance. Que há mais alegria nos pés entrelaçados na beira do colchonete do que
necessidade de um colchão “king size”,
quando se passou muito tempo numa cama vazia de espera. Que meia hora de uma
conversa sem importância com o amigo menos íntimo é capaz de iluminar a volta
para o local em que se travarão as discussões sobre o que realmente nos
importa.
A
verdade é que estamos mais prontos para os problemas. Se aparecem, sabemos como
resolvê-los. Adiamos a volta para casa para digeri-los numa reunião de última
hora ou levantamos de madrugada para acudir o pai cujas dores lhe impedem os
movimentos mais ordinários. Mas não aproveitamos os dias calmos para andar sem
rumo pelas ruas ainda ensolaradas, num fim de tarde, ou para, ao lado do pai, caminhar
na areia da praia ao encontro do vacilante movimento do mar.
Quando,
um dia, a morte de um ente querido nos surpreende, reagimos ao susto: “aprenderei, a partir de agora, a viver
melhor”. Enquanto pensamos no quanto deixamos de viver, a ideia de ser
feliz vira obsessão nos dias que se sucedem até que, de novo, a rotina nos
atropele, os compromissos nos envolvam e voltemos a planejar nossa felicidade
para um futuro nem sempre próximo.
Porque
acreditamos que a felicidade é algo que se constrói.
Queremos
entrar na casa quando lá já existirem os móveis, as paredes pintadas, as contas
já programadas. Até lá, deixamo-la vazia, ignorando os espaços livres nos
cômodos que poderíamos preencher com sonhos, festas, amores. Evitamos deitar no
chão da sala onde o luar nos alcançaria porque ainda não é confortável sem o
sofá. Proibimos a criança de andar de velocípede entre os quartos, antes que
chegue a mobília, porque arranharia o chão. Desperdiçamos essas fotografias
únicas, imagens eternas na nossa mente que nos fariam ver a casa construída
como o relicário de grandes e mágicos segredos.
Esperamos
demais. Não importa o quanto tenhamos esperado: sempre é demais. Porque a
felicidade não ocupa cenários perfeitos. Ela corre entre as imperfeições e os
dias tumultuados, entre os amores ganhos e os perdidos, está nos braços que nos
cercam por carinho, mas também nos que nos consolam ou nos seguram por medo ou
dor.
À
frente, quando olhamos de dentro do que construímos, constatamos que a
felicidade se fez antes, nas angústias vencidas, nas tentativas de não nos
perdermos de quem amamos, nos momentos sem sentido e em silêncio que vivemos e
justificam todo o caminho até então.
Via: Obvious