Parece
uma epidemia. Não paro de ouvir e de ler que “a vida começa aos 40”. A frase não é nova, talvez tenha até uns 40
anos... Hoje, porém, ela parece ter deixado o marketing publicitário para virar
filosofia da vida cotidiana. E em bocas que costumam dizer coisas que valem a
pena. De uns tempos para cá, atrizes e escritoras interessantes têm repetido
esse slogan, depois de passar dos 40. Nesse verão, li várias vezes essa frase
em revistas femininas diferentes, ditas por mulheres diferentes, mas incluídas
no pacote do “bonita-e-bem-sucedida”...
e com mais de 40.
Entendo
que a frase é simpática. E bem-intencionada. E tenha sido até revolucionária no
passado recente. Afinal, mesmo durante boa parte do século XX acreditava-se que
a vida acabava aos 40 – a vida das mulheres, pelo menos. Ou, pelo menos,
acreditava-se que, depois dos 40, o mais emocionante que uma mulher poderia
esperar seriam os netos (que, acredito, sejam mesmo algo bem emocionante).
Entendo também que é uma conquista existirem protagonistas de novelas com mais
de 40 anos e mulheres em todas as áreas criando depois dos 40. Receio, porém,
que estejamos enfiando o nosso pé em uma nova armadilha. E, em vez de uma frase
meio marqueteira, meio lugar comum, que se diz aqui e ali quando falta assunto,
ao ser levada a sério torne-se uma sentença.
O
que significa “a vida começa aos 40”?
Fiz uma pequena pesquisa em blogs e revistas e parece que significa o seguinte:
a vida começaria aos 40 porque as mulheres ainda estariam bonitas, já seriam
donas de uma carreira consolidada e financeiramente estáveis, teriam passado
por percalços suficientes para se sentirem mais confiantes e, então, sem as
pressões e inseguranças dos 20 e até dos 30, estariam mais livres para inventar
novos rumos para suas vidas – e novos rumos que estariam mais próximos de seus
desejos.
Significava
também que, aos 40, as mulheres já estariam com os filhos crescidos e,
portanto, teriam superado certo peso da maternidade. Mas acho que essa parte do
pacote já perdeu força, na medida em que hoje muitas mulheres estão justamente
tentando engravidar ou com filhos pequenos ao completar 40 anos. Nesse sentido,
o mais correto a afirmar nesses dias é que, em muitos casos, a vida dos filhos
começa quando suas mães têm 40 anos. E acho que este é um bom tema para outro
momento.
Por
que eu desconfio da afirmação de que “a
vida começa aos 40”? Primeiro, porque nela está implícito que existe uma
espécie de “vida de verdade”, enquanto
a outra, a que veio antes, seria uma vida menor. Eu acho que é preciso ter
medo, muito medo, da tal da “vida de
verdade”.
Seja
aos 40 ou em qualquer idade, a tal da “vida
de verdade” é fonte de muito sofrimento desnecessário. Ela coloca nossas
vidas imperfeitas – e tudo e todos que dela fazem parte – como sendo sempre
insuficientes diante de alguma outra vida imaginária. Ou nos instala no modo de
espera de algo extraordinário que ainda vai acontecer e nos arrancar do que
interpretamos como uma mesmice aquém do que merecemos. A “vida de verdade” é uma grande mentira. E a história de que “a vida começa aos 40” a reforça. Nesse
ritmo, talvez a vida não comece nunca. E acho que há gente demais – mulheres e
homens – vivendo à espera de que a vida comece, sem reparar que ela já vai pelo
meio.
A
vida é o que temos e o que fazemos dela, com um pouco de tudo, em qualquer
idade. Aos 40, percebemos que começamos a envelhecer. Não acho que devemos
negar isso, mesmo porque não adianta. O que vamos dizer aos 50 ou aos 60? Que a
vida começa de novo? Ué, mas ela não tinha começado aos 40? E aos 70, 80 ou 90,
vamos “descobrir” que a vida começa no fim?
Não
existe “vida de verdade” – só existe
vida, que é o que está acontecendo agora, seja lá o que for. Acho que vale mais
a pena aceitar que envelhecemos e descobrir um jeito de viver com isso. Não
começando, mas continuando a criar a melhor vida possível, a melhor vida
possível com os limites de cada uma, do jeito de cada uma. E com uma grande
dose de generosidade com as nossas atrapalhações – e também com as de quem
amamos –seja aos 20, aos 40 ou aos 70.
Eliane
Brum