Hoje
foi dia de arrumar o quarto. Tava uma bagunça feia, você nem imagina. Ou
imagina, não sei. Esse é o tipo de tarefa que todas as pessoas do mundo devem
detestar. Às vezes é na desordem que nos encontramos, no meio de papéis,
livros, roupas e coisas que a gente nem imaginava que ainda existiam, coisas
que já deveriam ter sido jogadas no lixo faz tempo, como aquele rascunho de
poema que ficou parado lá pelo terceiro verso ou uma caneta sem tinta que agora
só serve de enfeite. Os perfeccionistas que me perdoem, mas eu gosto mesmo é da
confusão.
O
engraçado é que acabei encontrando uma caixinha velha repleta de cartas e
documentos secretos da minha infância, coisas que eu escondia debaixo da cama
na esperança de que ninguém nunca encontrasse. Documentos sigilosos, como
aquele depoimento que nunca foi lido pelo destinatário. Cartas de amor e poemas
abstratos, rimando amor com calor, paixão com ilusão e outros pequenos
experimentos literários. Encontrei uma cápsula do tempo! Meus sentimentos mais
profundos, esquecidos numa caixinha empoeirada.
E
como eu era apaixonado naquela época! Quem escreveu aquelas cartas estava
morrendo de amores, dá para ver isso nas linhas tortas, nas palavras doces e na
completa falta de medo de dizer a verdade. “Eu
te amo” repetidas vezes. Juro que amei, mas até então não me lembrava. Foi
preciso reler para redescobrir o significado do amor. De repente a tarefa de
arrumar o quarto pareceu um pouco menos inconveniente.
Talvez
seja preciso arrumar também o coração, ver se tudo continua funcionando. Afinal
de contas, guardamos muitas coisas que são exatamente como aquela caneta sem
tinta, só servem de enfeite. Mas outras – essas sim, importantes – devem ser
tiradas de dentro da caixinha empoeirada e colocadas em um lugar de fácil
acesso, para que sempre lembremos de quem verdadeiramente somos.