Poderia
invocar muitas razões pelas quais me entreguei. Seus ombros, sua falta de jeito
para dançar, seu carinho com a sua mãe, seu jeito de olhar para mim nas manhãs
de domingo. Também poderia invocar tantas razões para não me entregar. Seu mau gênio
quando está com fome, seu hábito de puxar a roupa de cama durante a noite, sua
preocupação incessante com o trabalho, a posição da lua no seu mapa astral.
Mas
seus beijos sempre foram um fator imperativo neste balanço. Todos os seus
beijos. O beijo no rosto um pouco mais demorado do que deveria no dia em que
nos conhecemos. O beijo esperado e sem pressa que inaugurou essa história toda.
O beijo nas minhas mãos durante jantares nos quais uma mesa inconveniente nos
impunha quase um metro de distância.
E
dentre esses tantos beijos, houve um que acertou bem o meio da minha testa. Não
me provocou cócegas, nem me deixou intrigada. Não me despertou grandes desejos,
nem grandes dúvidas. Na verdade, ele não apenas não me provocou dúvidas como me
trouxe belos indícios de certeza.
Encontrar
alguém disposto a dar bons e demorados beijos no rosto, na boca e no pescoço
não é exatamente uma tarefa difícil. Na noite, depois de duas doses de vodka,
tem muita gente disponível pra isso. Mas o beijo na testa não é para qualquer
um. Muitos beijos podem ser dados por dar, mas beijo na testa eu nunca vi
alguém dar sem belas doses de sinceridade.
E
você beijou minha testa. E não foi uma vez só. Não foi só naquele dia em que eu
estava trabalhando no sofá e você estava pronto para sair. Não foi só por causa
daquela altura mais cômoda da testa em detrimento da boca. Você também beijou
minha testa quando eu embarquei num voo. E quando chorei de saudades da minha
avó. E algumas vezes, antes de dormir, passou a mão pelos meus cabelos, me
beijou a testa e me desejou bons sonhos.
A
minha lista de qualidades da pessoa ideal mudou muito desde que você apareceu.
Percebi que muitas exigências eram pura bobagem. E que eram exatamente as
coisinhas miúdas que me fariam querer ficar dias e mais dias nessa história.
Não
sei bem se posso classificar seu beijo na minha testa como “coisa miúda”. Sim, talvez seja miúdo por não precisar de razões
nem mecanismos grandiosos. Mas por outro lado é imenso. Imenso porque me dá a
dimensão de zelo, a segurança do respeito e o conforto do amor que extrapola o
roteiro óbvio do conjugal.
Sim,
há muitas justificativas para eu ficar. Assim como haveria muitas para pensar
em ir. Mas enquanto houver você desse seu jeito, me olhando como me olha e com
seus mil beijos espalhados, eu hei de querer continuar aqui. E se tiver beijo
na testa, é bem provável que a cada dia eu esteja mais certa de que esse é o
melhor lugar do mundo pra mim.
Ruth Manus