Outro
dia desses eu me divorciei.
Saí
da casa, da vida, da rotina.
O
luto foi longo sim, luto de separação é sempre complexo. Vem a culpa, vêm os
medos, as questões morais, a solidão, a loucura, a saudade, os apegos e os
desapegos, os heróis e vilões, as roupas sujas expostas na sala de visitas.
Outro
dia eu me divorciei.
E
tanta gente me perguntou o porquê.
Me
disseram que relacionamentos são complexos, difíceis mesmo. Que a gente tem que
enfrentar os desafios diariamente. Que a gente tem que passar por cima de tanta
coisa, fazer vista grossa, tem que reconstruir, perdoar, recomeçar inúmeras
vezes.
Mas
ninguém diz como é mais difícil ainda ser outro dentro de um ciclo vicioso,
ninguém conta como é quase impossível mudar as células viciadas em padrões,
quebrar os comodismos culturais dentro de um acordo pré-estabelecido. Ninguém
diz que normalmente o equilíbrio pende mais para um lado, que os corpos se
ajustam às injustiças dos espaços mal divididos, que as mentes se aquietam para
poderem ter energia para concretizar o desafio de pagar as contas no fim do
mês.
Ninguém
diz que esse passar por cima de tudo é na verdade tantas vezes um passar por
baixo, é esconder atrás dos cômodos e das almas as dores e as alegrias. É
passar por baixo de si mesmo. É voltar, é continuar, é engolir melhor os sapos
que vão denunciar os coachados dois meses (ou semanas) depois dos elos reatados
e dos perigos amenizados.
É
tudo muito sério para deixar de lado.
Dói,
é verdade.
Mas,
mesmo assim, outro dia desses eu me divorciei.
Porque
depois de ser adulta por tantos anos, eu quis voltar a ser espontânea.
Quais
os motivos? Me pergunta alguém.
Eu
não sei bem... mas sabe quando a gente é criança e a brincadeira está tão boa
que a gente se esquece de sentir fome, de olhar as horas, de trocar de carro, e
pensar na pós-graduação do filho mais novo?
Sabe
quando a gente é criança e encontra um amigo do peito bom de brincar e a gente
nem pensa em saber qual é o passado dele, a profissão, as visões de futuro, o
dia de amanhã... A gente nem lembra de notar a cor dos olhos dele, eles apenas
brilham, a gente não repara nas diferenças, a gente apenas se perde na alegria,
no momento.
A
gente entra na terra úmida, sobe na árvore, joga a bola alto.
Se
o amigo for bom de brincadeira, a gente sem querer querendo fica perto.
Mas,
se o amigo é chato, cheio de regras, de competições e conversas, chorão,
reclamão, a gente anda, voa, desencana daquela energia. Uma hora a água da vida
bate na bunda e a gente desatina.
A
gente se divorcia.
Dia
desses eu me divorciei e até o mito de abrir o vidro de azeitonas e a garrafa
de vinho se desfez, deve ser porque até meus músculos estão mais despertos.
E
não levanto a solidão como bandeira não. Apenas celebro a coragem, a vida, a
possibilidade de ser dona de mim. E os amores mais genuínos que virão.
Via: Fãs da Psicanálise
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